Como pode uma empresa de fintech atingir 20 milhões de clientes?

Valentin Stalf, CEO da startup alemã de serviços financeiros N26, quer que a banca seja como o download de música.

Por Suvarchala Narayanan, colaborador da Strategy+business

Quanto tempo demorará até que as novas empresas de tecnologia financeira (fintech) transformem o sector? Para líderes de startups de fintech como Valentin Stalf, CEO do N26, essa pode ser a pergunta errada. Querem saber é quanto tempo demorará a transformar a experiência diária das pessoas.

Um banco acessível apenas por aplicação móvel, o N26 já foi considerado como tendo a conta bancária mais moderna da Europa. Com sede em Berlim, não tem máquinas ATM próprias, mas os clientes podem levantar dinheiro em qualquer ATM ou em sete mil retalhistas afiliadas. O N26 é por vezes descrito como o banco dos millennials, que tendem a ficar frustrados no que toca a serviços financeiros. Um estudo, o Índice de Disrupção dos Millennials 2017, descobriu que 71% dos inquiridos preferiam ir ao dentista do que ir a uma sucursal do seu banco.

Valentin Stalf, nascido em 1985, é ele próprio um millennial. Ele e os seus colegas do N26 acreditam que pessoas de todas as idades estão prontas para a simplicidade e harmonia, principalmente na banca pessoal. A estratégia do N26 é combinar toda a complexidade da vida financeira de um indivíduo – com contas e cartões de muitas empresas – numa plataforma de serviços financeiros única e simples, usando parcerias e alianças transversais para expandir os serviços que oferece. As suas parcerias actuais com Mastercard, Clark para os seguros, TransferWise para transferências de dinheiro e Auxmoney para linhas de crédito representam os primeiros passos para um ecossistema mais vasto que Valentin Stalf tenciona criar.

Criado em Viena, Valentin Stalf envolveu- se nas fintech depois de tirar um mestrado em Contabilidade e Finanças na Universidade St. Gallen, na Suíça. Em 2012, após passar por um banco de investimento, mudou-se para Berlim e juntou-se à incubadora tecnológica Rocket Internet para trabalhar em projectos relacionados com as fintech. Foi aí que ficou a conhecer os desafios que os bancos tradicionais enfrentam com a digitalização. Lançou a sua startup cerca de um ano mais tarde, em 2013, com o amigo de infância Max Tayenthal.

O N26 tem actualmente cerca de 550 mil utilizadores na Europa – principalmente na Alemanha, Áustria, França, Espanha e Itália. É uma fracção do que um banco de consumo já estabelecido gere, mas conquista cerca de dois mil utilizadores por dia. Em 2018, irá abrir nos EUA e no Reino Unido.

Strategy+business: O que viu que o fez lançar o N26?

Valentin Stalf: O nosso ponto de partida foi a má qualidade de outros produtos bancários digitais. No comércio electrónico e no entretenimento, a experiência é móvel e fácil de usar. A maioria dos produtos bancários é difícil de usar e ninguém gosta de interagir com eles. As vidas financeiras das pessoas são muito importantes porque são a base de todas as decisões. Mas a maior parte dos produtos bancários não fazem com que as pessoas compreendam os seus perfis financeiros e tomem boas decisões.

Decidimos criar um banco que as pessoas usem não porque o têm de fazer, mas porque gostem mesmo de abrir o software e usá-lo. Temos a nossa própria licença bancária, porque não queremos as limitações de pertencermos a outro grupo, com parceiros que nos digam o que fazer.

Também analisámos tendências tecnológicas gerais. Os pagamentos sem dinheiro, que têm estado no centro de muitos esforços das fintech, estavam em queda. Mas a utilização do smartphone tornava-se mais prolífico a cada ano que passava. A qualidade dos smartphones estava também a melhorar. Foi este um dos principais factores para o nosso sentido de oportunidade. Se tivéssemos criado a empresa três ou quatro anos antes, a experiência da aplicação do N26 não teria sido grande coisa. Hoje, com o desenvolvimento das linguagens de programação e aparelhos mais sofisticados, podemos oferecer produtos mais complexos e diferenciar uma aplicação.

S+b: Como é que estes produtos novos se diferenciam da banca convencional?

VS: A maioria das pessoas não quer gastar demasiado tempo com as suas finanças. Cerca de 80% dos nossos utilizadores querem que a sua vida financeira esteja organizada de forma a ser fácil. Por isso, o nosso enfoque está hoje nos ganhos rápidos: transacções fáceis no smartphone. Ninguém quer passar duas horas a abrir uma conta bancária. Ninguém quer fazer uma domiciliação onde é preciso colocar cinco códigos diferentes que estão offline, em formato papel. As pessoas querem também diminuir a literacia financeira para que possam tomar decisões mais adequadas. E querem uma vasta gama de produtos bancários, os melhores que podem encontrar. No fim, desde que haja confiança e qualidade, os utilizadores não se preocupam muito com a origem dos produtos. Por isso, criámos um mercado onde integramos parceiros de todo o mundo, incluindo players tradicionais e modernos. Tudo se resume a produtos justos e transparência.

S+b: Os vossos clientes ajudam a determinar os produtos e parcerias que oferecem?

VS: Em parte, sim. Temos uma funcionalidade na aplicação onde é possível submeter ideias ou pedir uma função ou produto. Tentamos compreender o que o utilizador está a tentar atingir com esse pedido. Quando pede uma conta partilhada, por exemplo, um banco normalmente interpreta isso como tendo duas contas bancárias, de dois cônjuges. O banco vê isto de uma perspectiva legal e técnica e não de uma perspectiva experimental. Mas se olharmos com mais atenção, descobrimos que uma conta partilhada significa simplesmente que duas pessoas querem um espaço partilhado para tomarem juntas decisões financeiras.

Creio que é por isso que estamos a ter clientes a um custo muito mais baixo do que os bancos tradicionais. As pessoas mantêm-se connosco. Não as perdemos.

S+b: Que tipo de pessoa está pronta para mudar para este tipo de banca? São maioritariamente millennials?

VS: Prefiro chamar ao nosso público-alvo “clientes digitais” de todas as faixas etárias. Há duas tendências que justificam esta mudança. Primeiro, as pessoas querem algo fácil de usar e que lhes poupe tempo. Segundo, já não toleram restrições. Podem fazer compras na Amazon com um clique; têm acesso imediato à música com o Spotify. Mas a experiência bancária está igual há 20 anos. Fazemos um pedido, e talvez chegue algo duas semanas mais tarde. Os nossos clientes não percebem porque têm de ir a uma sucursal abrir uma conta, ou por que é que têm de preencher cinco formulários para fazerem um investimento.

S+b: Que análise faz à evolução dos serviços financeiros?

VS: No futuro, as práticas bancárias das pessoas serão estimuladas pelos perfis individuais e pelas acções tomadas. Se um indivíduo começou a trabalhar num novo emprego, sabemos que tem diferentes necessidades financeiras de alguém que tem emprego há 20 anos. Já estamos a categorizar todas as transacções dos nossos clientes, e a criar perfis para compreender as suas situações na vida. Usamos isto para a gestão de fraudes e classificação de risco.

Se detectamos padrões invulgares nas nossas transacções que possam sugerir fraude, bloqueamos o crime antes. No futuro, usaremos métodos semelhantes para servir necessidades individuais.

S+b: Quer dizer ofertas com base em análises preditivas?

VS: Sim. Teremos mil produtos de serviços financeiros, todos personalizados para o portefólio individual de cada indivíduo. As avaliações individuais resultam em ofertas pessoais baseadas no comportamento financeiro.

As empresas de serviços financeiros irão cada vez mais usar o big data para compreenderem o que as pessoas estão a tentar fazer e depois personalizar a experiência em conformidade.

Se uma pessoa se candidata a um crédito, os dados já estão recolhidos, não é preciso colocar o que se pagou por uma casa. A tendência é reduzir a complexidade e poupar tempo aos consumidores, oferecendo produtos abrangentes que resolvem os seus problemas.

S+b: Como é que empresas baseadas em plataformas como o N26 gerem a privacidade dos dados?

VS: Iremos partilhar dados para verificação, mas não damos às empresas parceiras acesso total aos dados para marketing. Por exemplo, não damos à TransferWise uma lista de pessoas e dizemos: “Escolham os que querem abordar e a vossa oferta aparecerá na aplicação delas.” Os bancos terão de se tornar guardiões dos seus clientes.

S+b: Quais as maiores ameaças que podem afectar o seu negócio?

VS: O mais importante é o talento. O nosso maior custo, em termos de oportunidade, é que nem sempre temos as pessoas certas. E isto acontece mais nos empregos na área tecnológica e online. O sistema de educação é muito mais lento do que a transformação tecnológica, por isso as pessoas ainda estão a estudar o marketing offline quando precisamos de centenas de pessoas que trabalhem em marketing online. Não temos programadores de software suficientes.

Se pudéssemos contratar 200 pessoas altamente qualificadas amanhã, faríamos isso. Temos sorte porque, como startup, estamos a resolver um problema interessante. Oferecemos liberdade e uma oportunidade criativa aos nossos colaboradores. Qualquer pessoa que queira trabalhar numa startup de Berlim ouviu falar de nós. E, contudo, o acesso ao talento continua a ser um problema. É um problema para todas as empresas de fintech. A outra ameaça é o acesso ao capital. Embora esteja a entrar dinheiro nas fintech, só chega se quisermos ter até, por exemplo, 20 milhões de clientes. Mas é preciso mais capital para chegarem aos 100 milhões de utilizadores.

S+b: No 21.º inquérito da PwC aos CEO, os inquiridos responderam que o melhor mercado para crescimento são os EUA, neste momento. Concorda?

VS: Os melhores mercados para o N26 são sempre países onde os produtos bancários têm má usabilidade e são muito dispendiosos. França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Estados Unidos da América são as oportunidades mais interessantes para nós. Em todos estes lugares, temos poucos concorrentes. Existem alguns startups de fintech, mas tendem a ser limitadas; somos o único produto digital que substitui totalmente um banco, que saibamos.

Na Europa, outras empresas de fintech têm até 200 mil clientes. O N26 tem mais de 550 mil e queremos chegar brevemente aos dois a três milhões de clientes. Depois, o próximo passo será tentar chegar aos cinco, 10, talvez 15 milhões de clientes na Europa. Nessa altura, as fintech deixarão de ser um fenómeno de nicho aqui. Algumas das principais players do sector serão empresas de fintech. E, nos EUA, as oportunidades são enormes.

S+b: E na Ásia?

VS: Está mais avançada. Muitos dos seus países são dominados por alguns players, sendo o WeChat um dos maiores. As suas empresas tecnológicas têm bons contactos no Estado, o que resulta em leis favoráveis. Podem lançar bons produtos mais rapidamente do que as empresas europeias. A Índia já tem produtos mais avançados no mercado.

S+b: E a concorrência das redes sociais?

VS: A Facebook e a Google querem mudar a forma como as pessoas pagam e enviam dinheiro, mas ainda não estão envolvidas na gestão da vida financeira diária. Creio que, no fundo, o sector tecnológico está a ir em mais na direcção do WeChat, que combina redes sociais, pagamentos e serviços financeiros mais abrangentes.

No final de contas, um banco é um local onde podemos manter em segurança a nossa identidade e o nosso dinheiro. Na internet, um dos maiores problemas é as fraudes com identidades e pagamentos. Faz sentido ter um único perfil de identidade que nos identifique, que gira os nossos investimentos e que mantenha os nossos bens disponíveis. No futuro, pode ser um perfil que se gere através do N26.

Este artigo foi publicado na edição de Junho de 2018 da Executive Digest.

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