O papel dos seguros numa sociedade em mudança acelerada
Por José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores
É frequente dizer-se que a ideia de seguro toca duas emoções fundamentais e que estão interligadas: o medo e a esperança.
O medo que algum evento adverso nos atinja. A esperança de que não nos toque a nós (só aos outros!). O seguro atenua o medo e alimenta a esperança de que, a acontecer, os efeitos não sejam tão graves. E por isso o mecanismo do seguro é parte intrínseca da vida em sociedade e condiciona o comportamento. Por isso ele é estratégico, porque é incontornável. Enquanto gestores, estamos seguramente conscientes de que vivemos rodeados de riscos. Todos somos ameaçados diariamente e a um ritmo mais intenso quer na vida pessoal quer profissional, pela possível ocorrência de eventos – sejam desastres naturais ou acidentes sob inúmeras formas. E somos chamados a tomar decisões nas empresas e na família que podem causar danos, de forma involuntária, a terceiros, ou até na nossa própria organização ou família.
Todas estas situações podem ter consequências sociais, humanas e financeiras: danos patrimoniais, impactos sociais, danos financeiros por perdas de exploração, danos reputacionais entre outro tipo de consequências mais ou menos gravosas. Como gestores empresariais ou no seio das nossas famílias, temos a responsabilidade de encarar estes riscos e desenvolver planos de mitigação para as suas consequências, aliviando o medo ou ansiedade que podemos ter na sua verificação.
Quando nos interrogamos sobre o papel do seguro nas nossas vidas, o primeiro factor que emerge é o de mecanismo de protecção para os riscos que enfrentamos. No dia-a-dia, nas empresas e famílias, enfrentamos situações sobre as quais nem sempre temos controlo – doença, acidente, morte, terrorismo, ataques cibernéticos, desastres naturais… Todos estes riscos significam quase sempre insegurança acrescida. E insegurança significa necessidade de protecção.
Nestas situações, o seguro permite que as empresas e os indivíduos recuperem rapidamente de uma situação de crise mais ou menos catastrófica, ao aliviar (ou pelo menos mitigar) os custos financeiros que lhe estão associados. Nalguns casos pode até significar a diferença entre vida e morte. O objectivo final é sempre o mesmo: contribuir para, o mais rapidamente, se recuperar a normalidade da vida empresarial ou familiar, com o menor impacto financeiro, social e pessoal possível. A contratação de um seguro é, por isso, um factor de redução da incerteza, e nessa medida, condição de progresso, inovação e desenvolvimento. O seguro tem, no entanto, um impacto mais amplo e mais profundo que vai além desta percepção inicial.
Como a actividade seguradora faz a gestão, diversifica e absorve os riscos dos indivíduos e empresas, o seguro é muitas vezes uma condição prévia para o desenvolvimento de outras actividades como expandir um negócio ou comprar uma casa. É por isso um estabilizador dos padrões de consumo das empresas e famílias. De resto, este facto foi comprovado num estudo académico recente (Dezembro de 2017), que analisou o impacto do sector na nossa economia, efectuado pela “Nova School of Business & Economics”, ao concluir que os seguros dos ramos não vida têm um impacto positivo no crescimento económico e na produtividade, e que os do ramo vida têm um impacto positivo como elementos estabilizadores da economia. E assistimos a esse fenómeno, neste preciso momento, no nosso País.
Este factor estabilizador é reforçado pelo papel das empresas de seguros como investidores de longo prazo na economia, nas empresas e em projectos. Em Portugal, são mesmo o principal investidor institucional, com uma carteira de investimentos superior a 50 mil milhões de euros. E claro está, tem um efeito real importante na economia global desde logo pelo número de pessoas que emprega directa e indirectamente.
Contribui, ainda, para a inovação em matéria de segurança dos equipamentos, dos processos e das pessoas, pela sensibilização e consciencialização que promove sobre o tema da prevenção e segurança, incentivando a melhoria de requisitos e boas práticas que salvam vidas e reduzem perdas económicas e patrimoniais, e alimentando a inovação no sector empresarial em geral.
Finalmente, como prestador de serviços de gestão de risco, o sector de seguros está numa posição ideal para participar e liderar ecossistemas que desenvolvam produtos e soluções inovadoras, assim como contribuir para a resolução de desafios globais da sociedade, como o envelhecimento da população e ameaças emergentes, nomeadamente as derivadas dos riscos cyber, dos associados às alterações climáticas ou até dos do terrorismo. Os próprios ministros das Finanças e governadores centrais dos G7 reconheceram a importância do sector neste domínio, fazendo inclusivamente referência ao trabalho desenvolvido sobre a égide da OCDE sobre o “cyber insurance market”.
Mas isso levanta uma questão: se o valor do seguro é tão importante, por que é que o sector é, frequentemente, tão mal compreendido? Na verdade, muito pouco parece ter mudado em quase 40 anos quando Woody Allen disse: “Há coisas piores na vida que a morte. Já passou uma noite com um vendedor de seguros?” (Amor e Morte, 1975). Embora a citação possa fazer surgir um sorriso, uma opinião tão mediatizada pode ter consequências negativas no sector.
Nesse sentido, há que trabalhar intensamente para que a real importância do seguro seja percepcionada. Se é verdade que existe nova regulação europeia que visa proporcionar um maior conhecimento dos produtos de seguros junto das empresas e dos consumidores que pode ajudar a mudar esta imagem, também é verdade que a excessiva carga de informação que se impôs aos operadores não ajuda nesta tarefa. Mais informação não significa melhor informação.
Mas o sector está muito focado em disseminar e promover uma cultura de literacia nos seguros junto da sociedade em geral, com objectivos claros: aprofundar o conhecimento do risco nas nossas vidas; promover a adopção de boas práticas e de comportamentos socialmente responsáveis; implementar medidas de prevenção; e a melhoria do conhecimento sobre os seguros à nossa disposição para nos protegermos.
Em conclusão, o seguro deve ser encarado não apenas como um mecanismo de protecção e gestão do risco – que paga uma compensação financeira quando ocorre um evento mais ou menos catastrófico – mas, como foi realçado pela Associação de Genéve, como um parceiro que permita que indivíduos e empresas possam “abrir asas” e ir até onde provavelmente não se atreveriam a ir sem seguros.
Este artigo foi publicado na edição de Fevereiro de 2018 da revista Executive Digest.