Quem quer poupar?

Por João Duque, professor catedrático no ISEG – Lisbon School of Economics and Management da Universidade de Lisboa

Imagine que uma torre igual à Torre de Pisa se inclina 25 centímetros por ano, medidos no topo da estrutura. Ao fim de um ano, ela não cai. Mas não será um problema?

Claro que é um problema e um problema estrutural que é gravíssimo mas, como não cai, para um político que é eleito por quatro anos isso não é um problema pois quatro anos de inclinação à razão de 20 cm por ano não a destruirão. Imagine agora que há uma ruptura na canalização dessa torre. O problema é muito menos grave, mas a sua emergência e visibilidade é um problema. Por isso, qualquer político a quer resolver e fazer o brilharete de ter conseguido reparar a dita ruptura. Mas se a torre não for reparada quanto à sua inclinação, ao fim de 20 anos ela terá um afastamento de cinco metros do eixo e nessa altura é provável que caia pois terá ultrapassado o limiar já tocado pela Torre de Pisa…

A sociedade portuguesa apresenta alguns problemas estruturais muito graves. Porém, esses problemas não a farão tombar num ano nem em quatro. Por isso, os governos terão menos apetite para a sua resolução. Falo dos problemas demográfico e da poupança.

O problema demográfico está reconhecido. Ele provocará uma alteração profunda da demografia portuguesa no espaço de 20 anos, fazendo invadir Portugal de um exército de velhos. Estes vão exigir duas coisas: pensões e cuidados de saúde. As pensões serão um problema pois não se fez poupança pública para lhes fazer face, nem população jovem em quantidade para pagar tais pensões sem um esforço hercúleo que, duvido, venha a ter. Os cuidados de saúde serão um problema porque é na fase final da vida que mais se gasta com a saúde e o número de idosos vai disparar. Se a exigência deste exército de velhos recair no Serviço Nacional de Saúde, então a pressão sobre o Orçamento do Estado será explosiva.

Haverá nessa altura disponibilidade orçamental para se responder aos dois requisitos de pensões e cuidados de saúde? Duvido. A forma mais inteligente de nos acautelarmos para uma provável “fuga” do Orçamento destas duas fontes de pressão poderia ser compensada por um robusto sistema de poupança. Pode ser privado ou colectivo, mas sem ele não antevejo nada de bom. Para além disso, uma sociedade que não poupa não participará depois na recolha dos frutos do rendimento dessa poupança.

Uma sociedade que não poupa e que recorre fortemente ao financiamento externo é uma sociedade que não vai reter nem os juros (das dívidas), nem os lucros (dos capitais próprios das empresas) pois quer a dívida quer os capitais próprios estão a ser comprados por não residentes. E, como agora a população se começou a desfazer dos imóveis, em breve nem as rendas desses imóveis irá reter. Restam os salários. Mas isso fará de Portugal um país de residentes assalariados, inquilinos e endividados a não residentes. O PIB (Produto Interno Bruto) poderá ser criado cá, mas o PNB (Produto Nacional Bruto) ficará cada vez mais afastado daquele. O que fica para os nacionais será cada vez menos… A poupança dos residentes é, assim, crucial. Não só porque ela permite reter boa parte do rendimento produzido, mas porque servirá ainda de solução ao problema demográfico que se antevê.

A taxa de poupança tem caído dramaticamente. E é mais dramática quando o maior segmento populacional está na fase de “ninho vazio 2”. Esta fase da vida dos consumidores é a fase da idade madura, quando os filhos já saíram de casa e os casais têm os seus picos de rendimentos. Nesta fase, o consumo decresce e a taxa de poupança aumenta pela redução significativa nas despesas da família. A educação e a manutenção dos filhos já não lhes assiste e a saúde ainda é boa para lhes exigir muita despesa.

Ora, seria de esperar que a população portuguesa, ao ter menos filhos para educar e a estar mais envelhecida, aumentasse a sua taxa de poupança. Mas isso infelizmente não é verdade!

Se a taxa de poupança já era baixa antes da crise (6,8% em 2008) mostrando que 93,2% do rendimento das famílias se esvaía em consumo e compromissos financeiros que não estejam relacionados com a amortização de dívidas para aquisição de casa própria, agora a taxa de poupança é ainda mais baixa. Em março de 2018, situava-se em 5,1%!

Pode argumentar-se que os portugueses poupam pouco porque o seu rendimento é mais baixo, mas os preços das coisas que consomem (por exemplo um iPhone novo) são iguais aos dos habitantes de outros países. Porém, e curiosamente, foi quando os portugueses tiveram menos rendimento que mais pouparam. Mesmo com brutais aumentos de impostos, cortes nos rendimentos e muito despedimento por efeitos da crise, em 2009 a taxa de poupança disparou para os 10,43%! Por isso, não é o baixo nível de rendimentos que dita a pouca taxa de poupança dos portugueses mas, antes, a atitude perante a poupança. Isso é, aliás, reforçado quando se comparam países. Há países com menos rendimento per capita e com maiores taxas de poupança.

Note-se que este aumento da taxa de poupança no período da crise também se verificou na maioria dos países da zona euro e que de lá para cá a taxa de poupança regrediu para os níveis pré crise. No entanto, a taxa de poupança média da zona euro foi de 12,2% em 2016, mais do dobro que a portuguesa, tomada no mesmo ano.

Então, por que é que os portugueses não poupam? Pergunto: alguém os ensina ou estimula a isso?

Quantas vezes ouvimos o Primeiro-Ministro ou o ministro das Finanças a elogiar a poupança como factor dinamizador da economia portuguesa? Quantas vezes os ouvimos a aplaudir a poupança como fonte do sucesso de Portugal? E agora comparemos isso com as vezes que os mesmos elogiam o consumo e se regozijam com o facto de o consumo estimular a economia portuguesa… Que diferença! Escamoteiam até, deliberadamente, que o consumo privado tem sido fonte de aumento das importações que, estéreis quanto ao crescimento futuro, degradam a balança comercial e de rendimentos. Se poupássemos mais em Portugal talvez conseguíssemos ter baixado a taxa de financiamento das empresas portuguesas e assim contribuído para o aumento do investimento. Este não aumenta na medida do exigido e continuamos assim a aplaudir o consumo.

Por outro lado, os níveis das taxas de juro historicamente muito baixas têm sido claramente um estímulo ao consumo. Para quê poupar se irei consumir menos amanhã após um ano de abstinência? Além disso, as taxas cobradas pelos intermediários financeiros sobre a custódia dos produtos de poupança que quase não rendem acabam por ser outro incentivo à não poupança.

Por último, quando os parceiros de coligação do governo, e de modo recorrente, ameaçam com a reestruturação da dívida, a qual inclui o reescalonamento forçado dos reembolsos, além de cortes nos seus montantes, quem se atreve a aforrar? Além disso atacam vorazes “onde ele está”, que é como quem diz, ir sacar aos aforradores que decidiram investir no mercado imobiliário as suas poupanças. Com tais ameaças quem quer poupar ou, pelo menos, em Portugal?

Este artigo foi publicado na edição de Outubro de 2018 da Executive Digest.

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