Tema de capa: O lado bom do papel comercial

O papel comercial tem algumas vantagens no financiamento das empresas, apesar das distorções de que foi objecto com os grupos GES/BES. Hoje é mais fácil para as PME e exige maiores deveres de informação para os investidores

O papel comercial deve ser hoje o produto financeiro mais conhecido em Portugal a seguir aos certificados de aforro. Mas se estes são sinónimo de investimento em porto seguro, o papel comercial vive o anátema das manifestações e protestos dos investidores dos grupos GES/BES, que há mais de um ano lutam por reaver os seus investimentos.

No entanto, “o papel comercial é, dentro dos instrumentos de dívida, tradicionalmente associado a um menor risco, na medida em que a maioria das suas emissões é efectuada por prazos curtos inferiores a um ano”, o que, como adianta a consultora Deloitte, não invalida que o reembolso do investimento e obtenção da remuneração dependam “da capacidade financeira do emitente, pelo que perdas de capital são possíveis”.

No entanto, as estatísticas disponíveis mostram que houve uma retracção na emissão de papel comercial por parte das empresas. Passando-se de 130 emissões no valor de 5,5 mil milhões de euros, em 2012, para apenas 36 no valor de 2,2 mil milhões de euros, em 2014.

Em 2014 foram feitas alterações ao enquadramento jurídico do papel comercial. O objectivo era alargar o recurso ao papel comercial por um conjunto maior de emitentes e fomentar os mercados de emissão, admissão e negociação de papel comercial, contribuindo para o alargamento das alternativas de financiamento das empresas. Como salienta a Deloitte, “genericamente, as alterações cumprem dois objectivos: a protecção dos investidores e a facilitação do acesso a esta forma de financiamento”.

A título de exemplo, a fixação de um limite mínimo de autonomia financeira tem a intenção de proteger os investidores, bloqueando a emissão destes instrumentos a entidades que estejam abaixo do limite acima descrito. O nível de segurança e transparência aplicáveis às divulgações de informação potenciam o interesse de investidores adicionais.

Maior abertura e acessibilidade a PME
Nestas alterações também se procurou abrir os programas de papel comercial a pequenas empresas com a criação da figura do patrocinador da emissão, podendo este ser uma instituição de crédito ou uma sociedade emitente de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado, com uma participação dominante na entidade emitente. Outro dos aspectos que foi incluído, como refere a Deloitte, “a inclusão de deveres de divulgação de informação privilegiada ao mercado, quando os factos subjacentes sejam susceptíveis de comprometer a capacidade de reembolso da emissão”.

Este instrumento financeiro de curto prazo acabou por ser transformado muitas vezes num sucedâneo do crédito bancário de prazo mais alargado, através de práticas de renovação sistemática das emissões e de uma retenção em carteira pelas instituições de crédito. Na sua essência, como se escreve no regulamento da CMVM, “o papel comercial deverá ser reconduzido, assim, à sua identidade e função económicas naturais de instrumento de financiamento de curto prazo das empresas, através do mercado, constituindo-se não só como uma verdadeira alternativa ao crédito bancário, como, mais do que isso, parte de uma nova cultura de financiamento das empresas, promovendo o alargamento da base de investidores e ampliando o leque de entidades legitimadas para a respectiva emissão”.

O papel comercial tem vantagens no financiamento das empresas. É um instrumento flexível, permitindo a emissão de dívida à medida das suas necessidades financeiras e é acessível às PME. Tem ainda vantagens fiscais e não está sujeito a imposto do selo sobre os juros, nem a imposto do selo sobre o montante utilizado, no caso de inexistência de garantia de bom pagamento.

Legal / Quem pode emitir?

A emissão de papel comercial é limitada a sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e a demais pessoas colectivas de direito público ou privado.

No entanto, a legislação prevê que, se o valor nominal unitário de uma emissão for igual ou inferior a 50 mil euros, a empresa emitente tem de preencher um dos seguintes requisitos: apresentar notação de risco do programa de emissão ou notação de risco de curto prazo do emitente, atribuída por sociedade de notação de risco registada na CMVM; obter garantia prestada por instituição financeira, que assegure o cumprimento das obrigações decorrentes das emissões para com os detentores de papel comercial; ser emitente de outros valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado; apresentar, com excepção das instituições de crédito, das sociedades financeiras, das empresas de seguros e das sociedades gestoras de fundos de pensões, após a emissão, um rácio de autonomia financeira de 35%; existir um patrocinador da emissão que detenha em carteira pelo menos 5% da emissão até à maturidade.

Obrigações para ser admitido à negociação

O papel comercial pode ser admitido à negociação em mercado regulamentado ou em qualquer outra plataforma de negociação, mas implica a divulgação de uma nota informativa sobre a emissão ou o programa de emissão, contendo informação sobre a sua situação patrimonial, económica e financeira, individual e consolidada, e do grupo em que se insere, consoante o caso, e as características da emissão ou de um prospecto válido que inclua a possibilidade de emissão de papel comercial que contenha a informação referida.

Os riscos para o investidor em papel comercial
O papel comercial equivale a conceder um financiamento a uma empresa ficando, deste modo, os investidores sujeitos ao risco de crédito do emitente. Neste sentido, como em qualquer outro tipo de investimento, deve-se adequar o perfil de risco do investidor, tanto à sua tolerância à realização de perdas financeiras, como à disponibilidade temporal para a detenção dos instrumentos financeiros, entre outros factores. Em segundo lugar, e estando sujeito ao risco de crédito do emitente, o investidor deverá avaliar a respectiva capacidade de reembolso e as condições particulares da emissão. Finalmente, em termos simples, deverá ter em conta a relação entre o risco percepcionado e o rendimento obtido.

Vantagens para o financiamento das empresas

Flexibilidade
Pode ser feito no contexto de um programa de financiamento, tanto em relação aos prazos e montantes, tendo em conta a previsão ao longo do tempo das necessidades de financiamento. Este financiamento de longo prazo pode ser feito através de várias emissões ou de vários emitentes de um grupo de empresas no mesmo programa.

Acessibilidade
Tornou-se mais fácil o acesso a PME, com a criação da figura do patrocinador, que tem de deter em carteira pelo menos 5% da emissão até à maturidade. A legislação que enquadra a emissão de papel comercial não impõe limites mínimos nem máximos para a emissão de papel comercial. O limite máximo de obtenção de fundos passa a estar sujeito ao cumprimento de um rácio de autonomia financeira (capitais próprios divididos pelos activos líquidos e multiplicados por cem) que a CMVM fixou em 35%.

Diversificação
Permite acesso a outras fontes de financiamento da empresa e a subscrição pode ser feita por uma instituição de crédito, ou por um conjunto de investidores.

Investidores
Como valor mobiliário transmissível ao portador ou nominativo, o papel comercial pode ser subscrito ou adquirido por bancos, fundos, seguradoras, sociedades gestoras de activos, entre outros, podendo ainda ser objecto de admissão à negociação em mercado de valores mobiliários.

Visibilidade
Pode ser uma forma de entrar no mercado de capitais, permitindo-lhe eventualmente a possibilidade de fazer outras operações em termos de mercado de capitais e de criar novos relacionamentos com investidores.

Artigo publicado na revista Risco n.º 2 de Agosto/Setembro/Outubro de 2016

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