Randstad Insight: Uma estratégia para o emprego

Por: José Miguel Leonardo
CEO
Randstad Portugal

A  confiança dos trabalhadores em mudar de emprego é a mais baixa dos últimos dois anos e meio. mas, ao mesmo tempo, o desejo de mudar de emprego subiu em relação ao trimestre passado. estes dados parecem contraditórios e de difícil conciliação.

Assistimos ainda a algum cepticismo aos ventos positivos, mas já se alimentam desejos de mudança, sem que isso se reflicta na procura activa de emprego. Os fenómenos que estão por detrás deste comportamento são vários, uns mais conjunturais e ainda reflexo da crise económica e financeira, outros mais culturais. Destacaria alguns factores, sendo o primeiro deles o salário. Sabemos que continua a ser o factor mais importante na decisão profissional, não sendo o primeiro para a generalidade dos segmentos, mas estando sempre no top 3. Se o analisarmos verificamos que houve, nos últimos anos, um “achatamento” do salário médio por função, levando a uma aproximação cada vez mais vertiginosa do salário mínimo nacional. Ao mesmo tempo, o valor do salário mínimo nunca foi alvo de tantas subidas percentuais em tão curto espaço de tempo. Esta redução do salário médio faz com que Portugal tenha problemas de atractividade nas funções menos qualificadas e de quadros médios, ao mesmo tempo que não consegue acompanhar os valores dos quadros de topo ou das funções mais procuradas, como os perfis de TI.

O emprego de sonho também parece estar cada vez mais longe das empresas em Portugal e não é apenas o factor salário que está a ser considerado. O mundo ficou mais pequeno, a tecnologia aproximou e a mobilidade passou a estar mais acessível, pelo menos na velha Europa e até que Brexit’s e outros movimentos venham a eliminar de vez acordos de livre circulação, o que significa que a competitividade e a atractividade do mercado laboral já não existe só entre fronteiras. O sonho, a ambição, a paixão e até o inconformismo de uma geração que estudou para ser e que não vê portas a abrir faz com que os fluxos de imigração tenham novos protagonistas e com que muitos licenciados espreitem o mundo lá fora como primeira opção.

Mas há quem não o faça e, mesmo assim, não abandone o sonho que não tem mercado, que não tem emprego em Portugal. Não aceitam as oportunidades que existem e com o suporte familiar e dependendo inteiramente de outros, chegam à idade adulta muitas vezes sem qualquer experiência profissional, suinstitucional per qualificados mas alvo de uma inércia e por vezes em ciclo depressivo, ausentes de confiança e amor próprio. São cada vez em maior número os jovens desempregados ou mesmo a população em idade activa que simplesmente não quer os trabalhos que existem e não tem qualquer subsídio.

Num País com 49,9% de população inactiva, é difícil ser optimista quanto à nossa sustentabilidade económica e social. A estes dados juntamos o número de nascimentos e rapidamente encontramos nos fluxos migratórios uma solução para aquilo que vai ser um país envelhecido.

Mas foquemo-nos. Como resolver a falta de confiança no mercado laboral, como garantir a atractividade do nosso emprego, a permanência e porque não a capacidade de trazer mais jovens para Portugal para trabalhar?

São perguntas com respostas complexas, mas identificava cinco medidas principais que poderiam ter um impacto directo. A primeira seria mais institucional e relacionada com o enquadramento legislativo laboral. É fundamental um quadro normativo que promova a competitividade das empresas e a equidade dos trabalhadores independentemente do modelo de prestação. A regulação tem de se aliar à fiscalização para garantia de um mercado equilibrado, concorrencial e saudável.

Um segundo ponto é a importância das empresas fazerem a sua transformação digital. Aceitarem a chamada quarta revolução industrial sem dramas e com estratégia. Nem tudo será digital, mas uma parte será com toda a certeza, vai ser uma exigência do próprio mercado. Nesta relação entre organizações e clientes, será sempre uma relação P2P mesmo que intermediada por muitas máquinas, será sempre uma relação de pessoa para pessoa (a não ser que queiramos considerar cenários de ficção científica, que gosto de acreditar que apesar da Inteligência Artificial já ser uma realidade, a imaginação do Kubrik nunca será mais do que isso mesmo, imaginação). Como terceiro ponto, destacaria a felicidade. As pessoas querem ser felizes e é isso que vão procurar, por mais capitalista ou tecnológica que se transforme a sociedade, o que o ser humano procura de forma incansável e genuína é a felicidade. As próprias revoluções surgem para impactarem na vida das pessoas, para resolver necessidades, para proporcionar experiências, para dar maior qualidade de vida. Este é um princípio da existência humana que deve estar integrado na oferta de trabalho das empresas, que além de garantir todos os direitos fundamentais, deve ter uma preocupação e uma política genuína de conciliação de vida profissional e pessoal. É necessário que as pessoas tenham essas infra-estruturas de suporte à família, à vida pessoal, para que possam ser mais felizes e consequentemente mais produtivas nas organizações. Esta não deve ser apenas uma preocupação das pessoas, mas, também, um princípio de qualquer organização, independentemente do sector e da área de actuação.

No ponto dos salários e como quarta ideia estratégica, é fundamental que as organizações deixem de considerar aspessoas como um custo e compreendam verdadeiramente o seu papel na organização. As pessoas, ao contrário das máquinas, não têm uma lista de capacidades fechada, têm um espaço de desenvolvimento que muitas vezes nem a própria pessoa o reconhece. O desenvolvimento de competências e a transformação é feita por pessoas, são as mais difíceis de “programar” mas são as únicas que podem mesmo transcender o imaginável e até mudar o mundo. Os talentos são todas essas pessoas, sejam internos ou externos, são stakeholders, são clientes, são recepcionistas, assistentes de contact center, directores comerciais e managers. São todos eles que impactam na experiência do cliente, que pensam e aplicam processos e formas de trabalhar. São eles, e quando digo eles são mesmo todos, os que contribuem para uma empresa. Assim, qualquer conceito de indiferenciado ou de trabalho menor é sinal de que ainda não reconhecemos o factor P e a sua importância.

Para terminar o employer brand. As empresas em Portugal, e em especial as portuguesas, têm de trabalhar o conhecimento e a atractividade da sua marca enquanto entidade empregadora e tanto na sua estratégia de captação como de retenção de talento. As marcas não são apenas “nomes” de vendas, são verdadeiras personalidades, onde as pessoas passam mais de metade do seu dia, onde conhecem colegas, onde aprendem e onde deixam todos os dias parte de si, do seu saber. O employer brand é uma construção diária sedimentada numa proposta de valor para o colaborador e que exige transparência. O employer brand é um trabalho a longo prazo de comunicação interna e externa, que reconhece a identidade da organização e a transforma.

Assim como no consumo existe uma percepção de qualidade e experiência, no trabalho, os candidatos também têm esse sentimento pelas empresas, mais ou menos fundamentado, mas que resulta dos seus colaboradores, das mensagens e do seu tom de voz cada vez que se expõe… e hoje, as redes sociais trouxeram essa montra, mais ou menos real, que também se reflecte em portais de emprego onde o employer brand é comentado com experiências entre a comunidade de candidatos, relatos de entrevistas, conselhos e as referências (ou não) para uma candidatura a determinada posição.

O mundo do trabalho mudou, o mundo mudou, mas muda sempre e vai continuar a fazê-lo. Por isso temos de mudar com ele, acompanhar esta transformação, acreditar e seguir inconformados, com esta “comichão” que se traduz na nossa própria história, no evolucionismo da espécie e das relações sociais.

O trabalho mudou, as funções, os escritórios e a própria forma de trabalhar. Mas a importância das pessoas não foi trocada por máquinas; foi e tem de ser alavancada e valorizada e essa é uma responsabilidade de todos: Estado, empresas e pessoas.

Estudo publicado na edição de Março 2017 da Executive Digest.

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