Randstad Insight: Contrato versus horas de trabalho

O caminho da felicidade

Por : José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal

A flexibilidade, tantas vezes criticada e muitas vezes apelidada de precária, pode ser em si uma opção. Todos os estudos de tendências geracionais o afirmam, as gerações após millennials querem tempo, querem projectos, querem uma vida equilibrada . Vivem de causas e de valores, e não procuram nada para a vida , mas sim que os preencha, que os alimente.

Esta nova relação com as empresas poderá pôr em causa discursos mais fundamentalistas que procuram transformar figuras flexíveis como o trabalho temporário, o outsourcing e o contrato a termo em males do País, envolvendo uma discussão sobre os modelos de trabalho num conjunto de estigmas e de mitos que alegam que as empresas prestadoras de serviços de recursos humanos são verdadeiramente milionárias e que se não existissem seriam criados mais postos de trabalho.

O desconhecimento do mundo do trabalho e até alguma ignorância sobre o comportamento deste, quer seja em Portugal, quer seja em tendências mundiais, leva à criação de correntes de pensamento e de defesa de formatos que não seriam sustentáveis pelas organizações e que apenas de forma utópica poderiam funcionar no mercado. Não é do desejo de nenhuma empresa remunerar ao nível do salário mínimo ou limitar as suas contratações sejam a termo ou sem termo. Mas os desafios do mercado têm de ser respondidos de forma estratégica e sustentada, a empresa tem de prever os seus investimentos e o modelo em que o faz também em relação às suas pessoas. Permitam-me acrescentar que principalmente em relação às suas pessoas, pela importância estratégica que estas têm na organização e mais ainda pelo impacto que estas vão ter a longo prazo. Recrutar pessoas não é investir apenas no seu salário base bruto, é pagar impostos, reter o custo da segurança social e mais ainda garantir um projecto sustentável, com acesso a formação e condições de trabalho dignas. Esta é uma realidade das empresas e também dos prestadores de serviços em áreas de trabalho temporário e de outsourcing. Recordo que falamos de pessoas e, nas organizações sérias e com um posicionamento de full compliance, as pessoas não são uma área a descurar e a todas, independentemente do vínculo, devem ser garantidos os seus direitos, e deveres.

Num mundo em transformação, também as pessoas estão em mudança, sempre estiveram, mas talvez hoje esta mudança seja mais rápida ou tenha mais impacto. Hoje a flexibilidade que uns criticam pode ser a que outros desejam e têm a dificuldade de encontrar tanto nas entidades patronais como nas instituições de suporte. Por exemplo, em Portugal se um trabalhador optar por não trabalhar um dia terá dificuldade em ter este regime de excepção. Ao mesmo tempo, se tiver um filho menor no infantário, pagará sempre os cinco dias úteis, não terá qualquer desconto pelo filho não ir um dia. Na Holanda, uma situação desta é frequente e não só é perfeitamente negociada com a entidade patronal, quer seja de forma temporária, quer seja definitiva, como as instituições de suporte prevêem esse regime e no caso mencionado não seria pago o equivalente a um dia útil por semana.

Deixemo-nos de ideias preconcebidas, vamos ouvir as pessoas e adequar o mundo do trabalho à nossa qualidade de vida, a uma vida que se transforma mas que, tal como ontem e como será amanhã, procura sempre a felicidade e esse será sempre o caminho da humanidade.

Contrato versus horas de trabalho

O número de horas de trabalho por semana nem sempre espelha o que está no contrato e isso pode não ser um motivo de insatisfação, pode sim, ser uma realidade que o próprio trabalhador aceita e reconhece como necessária.

A Randstad foi saber a opinião dos portugueses, num estudo desenvolvido pelo ICMA Group a uma
amostra de 7262 pessoas em idade activa .

51% dos inquiridos afirma trabalhar mais de 40 horas por semana, se nos focarmos apenas no género, verificamos que 47% das mulheres está acima das 40 horas, enquanto que nos homens mais de metade afirma ultrapassar esse valor semanal, levando a uma média de 43 horas. Em termos de médias trabalhadas, é no segmento dos 45-65 anos que são reportadas mais horas (42), mas sem grande diferença para o intervalo entre os 25-44 anos que tem a média de 41 horas. Sem diferenças significativas também a diferenciação de nível de habilitações que se situa nas 41 ou 42 horas. Apenas na segmentação funcional vemos uma ligeira diferença, estando as funções de gestão com uma média de 44 horas face às 41 horas indicadas pelas outras áreas funcionais.

Assim, esta primeira análise demonstra que, em média, em Portugal trabalha-se acima das 40 horas de trabalho. Mas a questão que se coloca é como é que é percebido o horário de trabalho. 46% dos inquiridos estão satisfeitos com o seu horário de trabalho, enquanto que 47% gostaria de trabalhar mais e ganhar mais e apenas 3% gostaria de trabalhar o mesmo, ganhando o mesmo. Em paralelo, 5% dos inquiridos gostaria de trabalhar menos, não se importando também de ganhar menos. Em termos de segmentos, verificamos que os homens estão mais dispostos a trabalhar mais para ganhar mais, e é em geral na faixa etária dos 18 aos 24 anos que isso acontece.

Mas o que os motiva a querer trabalhar mais? Será o salário o único factor tido em consideração?

Salário mais elevado ou a perspectiva de uma promoção são efectivamente os factores mais considerados, tanto para homens como para mulheres. Na lista de factores de motivação para trabalhar, mais destaque vai também para o desenvolvimento pessoal com uma média de 19% e para o Randstad Insight Contrato versus horas de trabalho aumento da influência no local de trabalho com 10%. Nesta questão onde existem maiores diferenças na resposta é nos segmentos das habilitações, onde verificamos que o nível mais baixo trabalharia mais apenas para aumentar o seu salário, enquanto que o nível mais elevado valoriza também o seu desenvolvimento pessoal.

E trabalhar menos, pode ser uma opção de vida?

Apenas 5% dos inquiridos responde que gostaria de trabalhar menos. Na lista de factores que levariam a trabalhar menos, o destaque vai para uma vida mais equilibrada (pessoal/profissional) e menos stress com uma média de 70%, seguindo-se o tempo livre com uma média de 50% e o passar mais tempo com os filhos com 39% de média. Estas motivações têm origens diferentes. Enquanto que os homens estão mais focados em ter tempo livre para si mesmos, para se divertirem e para a sua educação, as mulheres estão mais focadas em ter menos stress bem como passar mais tempo com os filhos. Da mesma forma é na geração mais nova que há maior motivação para trabalhar menos, para terem tempo de lançar o seu próprio negócio, enquanto que as gerações mais velhas vêem vantagem na redução para diminuir o stress.

Será que a flexibilidade dos horários pode ser a solução para estas assimetrias?

37% dos portugueses estão satisfeitos com um horário standard de trabalho, especialmente os que trabalham nas áreas produtivas. Mas 33% gostaria de ter um horário variável e aqui o destaque vai para as gerações dos 45 aos 65 anos.

Uma preferência que se assiste também nas funções de gestão e no segmento de educação universitária e superior.

A possibilidade de ter dias de trabalho mais longos e semanas de trabalho mais curtas não acolhe muitos “fãs” ficando num total de 18%. Menos interessante ainda parece ser a imprevisibilidade do horário  todas as semanas, que acolhe apenas 10% das preferências.

E a flexibilidade ao nível do local de trabalho?

O conceito de trabalho remoto? A decisão de trabalhar exclusivamente na empresa é de apenas 23%, o sistema misto
parece ser o que acolhe maior interesse dos inquiridos e representa 47%. Neste caso é o segmento de direcção que volta a destacar-se nesta opção. A opção de ter horas fixas de trabalho remoto em dias precisos parece interessante também a 18% das pessoas, com destaque no segmento para as mulheres e em especial no segmento 18 24 anos.

A possibilidade de trabalhar 100% por via remota parece ainda não acolher grande receptividade, representando apenas 11%, sendo que são as gerações mais velhas que parecem considerar esta opção como mais interessante (14%).

Estudo publicado na ediçção n.º 122, de Maio de 2016, na revista Executive Digest.

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