Quanto vale um bom departamento de compras?

Muitas vezes longe dos holofotes, o responsável de compras de uma grande empresa pode poupar o equivalente a 3 e 5% das receitas anuais. Célia Rocha, que ocupa o cargo no Renault Retail Group, explica como.

Por Álvaro de Mendonça.

 

Célia Rocha lidera um departamento de três pessoas responsável pelas compras do Renault Retail Group Portugal, o braço de retalho da marca francesa e filial directa do grupo, com 210 milhões de euros de volume de negócios anual.

Nas cinco concessões do grupo – Areeiro, Chelas, Telheiras, em Lisboa, e Boavista e Gondomar, no Porto –, são vendidos por ano quase 9 mil automóveis novos Renault e Dacia e 4 mil veículos usados, o que faz do Renault Retail Group Portugal o maior retalhista de ambas as marcas em Portugal.

Um negócio que a responsável de compras acompanha passo a passo, negociando com fornecedores, avaliando propostas e poupando o equivalente a 3% das receitas anuais da empresa.

O que faz exactamente a directora de compras de uma empresa?

Poupamos muito dinheiro. Não somos um departamento apenas para controlar os custos das compras, pois, ao trabalharmos em equipa com os outros departamentos, conseguimos não só reduzir custos com fornecedores, mas também poupar, para garantir os postos de trabalho e fazer investimentos ao nível do imobiliário e da melhoria das condições de trabalho. Além das compras, o departamento também tem as pastas do ambiente e da manutenção dos edifícios, o que ajuda muito.

Os contratos dantes não eram negociados, havia fornecedores que estavam aqui há muitos anos. Quando cheguei comecei a chamar os fornecedores e a negociar. No primeiro negócio que fiz, ganhei 70% na negociação com o fornecedor que nos tratava os resíduos da oficina.

Centraliza no seu departamento tudo o que são compras?

Tudo. Desde o tratamento de resíduos, às telecomunicações e informática, passando pelas peças e equipamentos para as oficinas. Tudo passa pelas compras. Esta centralização evita desperdícios, pois, sem ela, teria de haver alguém que controlasse e a quem fossem apresentadas as justificações das compras, de forma a avaliar se elas são mesmo necessárias.

Com a centralização o procedimento é simples. Tudo começa com um pedido de serviço, que terá de vir acompanhado de uma justificação. Depois de ouvida a opinião técnica do responsável do departamento, procedemos a uma consulta ao mercado e, uma vez analisadas essas propostas, partimos para a negociação e para a finalização da compra. Consultamos sempre o responsável do departamento que requereu o fornecimento, para nos ajudar na decisão, em termos de relação qualidade/preço.

Quem faz a consulta ao mercado é o departamento de compras. Quando há uma ordem da sede, em França, temos de recorrer a esse fornecedor, mas temos sempre algum poder de negociação. A  sede exige-nos sempre a consulta de pelo menos três fornecedores.

Quando vamos negociar qualquer coisa, seja um software ou um simples alicate, primeiro informamo-nos sobre o assunto. Andamos no terreno, falamos com quem sabe e só depois é que vamos negociar. Não avançamos para uma negociação sem antes termos pleno conhecimento dos dossiers, até porque não podemos saber tudo sobre todos os departamentos.

Mas posso garantir-lhe que, se no início havia maior dificuldade, neste momento em alguns campos até sabemos mais do que, por exemplo, um chefe de oficina. Muitas vezes tentamos saber quais são os equipamentos e as práticas que o Renault Retail Group tem em França e por que é que nós, aqui em Portugal, temos de pagar mais, ou menos. E isso ajuda-nos a fazer um estudo constante junto do mercado.

Queremos que haja transparência e afastar a ideia de que o departamento de compras é um palco de negociatas. Sempre que adjudicamos um contrato, criamos um dossier onde, além da proposta que ganhou, anexamos também as outras, juntamente com a justificação da decisão.

A negociação exige algum “jogo de cintura” com os fornecedores, sobretudo com os mais antigos, a quem estamos a retirar uma margem do que ganhavam. É preciso saber gerir estas relações. Todos os fornecedores que saíram fizeram-no pela porta da frente e com vontade de voltar. Quando faço consultas ao mercado, normalmente faço questão de consultar os nossos antigos fornecedores.

Como centralizamos tudo e temos a responsabilidade pelas compras de todos os cinco estabelecimentos do Renault Retail Group em Portugal, em Lisboa e no Grande Porto, isso dá-nos um maior poder negocial junto dos fornecedores. Além da maior eficiência de processos, esta é uma das vantagens da centralização. E o certo é que um departamento de compras forte e centralizado até poupa, pelo facto de internamente, antes de lhe fazerem um pedido, os outros departamentos terem de justificar e fundamentar bem os seus pedidos. Muitas vezes nessa justificação até já vem uma boa sugestão de fornecedor.

Isso não prejudica a flexibilidade e a rapidez das decisões? Não deveria haver algum grau de descentralização e de autonomia?

Temos conseguido dar resposta em tempo útil a todos os pedidos, com a vantagem de termos poupado muito dinheiro à organização. Nas telecomunicações conseguimos uma redução de 60%, face à proposta  que nos foi apresentada inicialmente.

Uma das razões para termos centralizado as compras de todos os pontos de venda do RRG é que nada justifica que eles estejam separados, uma vez que têm as mesmas necessidades. Neste momento estou a trabalhar no projecto de uma central de compras e na harmonização de equipamentos em todos os estabelecimentos, porque até agora cada estabelecimento podia ter fornecedores diferentes. Em termos de custos, esta harmonização vai permitir-nos poupar muito dinheiro, porque aumentamos o tal poder negocial. Conseguimos maiores percentagens de descontos e melhores contratos de assistências.

Por outro lado, o cliente vê que estamos a trabalhar com os mesmos equipamentos, o que significa um mesmo nível de serviço ou de qualidade. Além de que cada um dos cinco estabelecimentos fica com a certeza de que não existe discriminação entre eles.

Qual dos espaços de uma concessão permite maiores poupanças?

Nos serviços e na negociação directa com os fornecedores. Naqueles que nos fazem a prestação e a manutenção diária. Na limpeza e manutenção do edifício. Na limpeza reduzimos em 50% o valor do contrato de limpeza.

As suas decisões acabam, portanto, por ter também um impacto directo na produtividade da empresa?

Os equipamentos podem melhorar ou piorar o desempenho. Não é nunca uma questão de preço, mas sempre uma questão de rendimento/preço.

Essa é prática corrente no RRG a nível internacional, ou uma especificidade aqui em Portugal?

Portugal foi o piloto. A ideia de uma central de compras começou a dar resultado em termos de poupanças. Em cada negociação poupamos no mínimo 20 a 30% por fornecedor. Neste momento estamos a servir de exemplo também para o RRG, a nível internacional, porque poupámos entre 3 e 5 milhões de euros.

Fomos por isso convidados para liderar o denominado projecto Happy, que faz de Lisboa o piloto europeu, para a implementação de novos procedimentos noutros países. E isso aconteceu porque aqui em Portugal estamos mais avançados do que os restantes países. Falta avançar com a informatização, para que, no futuro, quando eu fizer um contrato com um fornecedor, essa informação seja imediatamente transmitida, a partir do sistema em rede, ao quartel-general em França.

Como é que o departamento de compras se articula com o financeiro, que é quem faz o pagamento?

Temos um programa que nos interliga com a contabilidade. Assim que concluímos a negociação, damos-lhes conhecimento do acordo e do contrato e informamo-los do custo respectivo. É então emitido internamente um vale de compra, que, depois, quando chega a factura, é comparado com ela, de forma a verificar se os valores estão conformes e a libertar o pagamento.

Quando a contabilidade recebe o vale de compra, já sabe que o fornecimento está aprovado pelas compras. Só questionarão se houver desfasamento entre o valor do vale de compras e o da factura, seja a menos ou a mais.

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