O que faz o departamento de research de um banco?

Todos os dias de manhã, a partir das 8h30, Rui Serra, José Moreira e Caetano Ferreira entram no Montepio, trajados a rigor, como é apanágio de quem vive no mundo da Alta Finança, com a missão de produzir  informação, o mais fidedigna possível, sobre o andamento das economias portuguesa e internacional e a evolução dos mercados financeiros. Informação que ajudará depois os gestores do banco e os seus clientes a tomarem as melhores decisões.

São uma espécie de conselheiros especiais, embora o departamento de estudos da Caixa Económica Montepio Geral sublinhe que os dados, as análises, opiniões e previsões são disponibilizados com o «intuito e para fins exclusivamente informativos», e não um convite ao «investimento de que natureza for». Na prática, aqueles “três mosqueteiros” recolhem os indicadores económicos de entidades credíveis e oficiais, como o Eurostat, FMI, Comissão Europeia, OCDE, bancos centrais, agências noticiosas, como a Bloomberg e a Reuters, ou órgãos de comunicação social, que vão sendo divulgados dia-a-dia, à semana ou ao mês, para os inserir em programas de análise econométrica e assim produzirem os conhecidos researchs diários, semanais e mensais. Por exemplo, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revela, no final de cada mês, a taxa de desemprego calculada para o mês anterior e, com base nesse indicador, a equipa liderada por Rui Serra, chief economist do departamento de estudos da Caixa Económica Montepio Geral, faz de imediato um comentário para o research do dia e automaticamente actualiza a previsão anual para a taxa de desemprego desse ano.

«Fazemos uma actualização em tempo real e a base dos nossos documentos vai sendo um pouco o resultado do que realizamos no dia-a-dia», explica o economista chefe, que sublinha que são muitas centenas de notas de research por ano que saem daquele departamento. Falamos do relatório diário, semanal, mensal, do global economic outlook, do financial markets outlook, indicadores de mercado ou survey de países, entre outros documentos. Uma produtividade que Rui Serra admite só ser possível raças à «automatização de processos que foi feita ao longo do tempo para a construção de programas de estimativas, através do EViews, o programa de análise econométrica, que permite chegar rapidamente a conclusões». É assim que o departamento de estudos do Montepio consegue informar em tempo real, por exemplo, os gestores da rede comercial e da banca de investimento, sobre a evolução e perspectivas dos vários sectores da economia, um precioso auxiliar na análise de risco de crédito.

O departamento de estudos tem ainda a seu cargo a responsabilidade pela actualização macroeconómica dos relatórios oficiais produzidos pelo banco, tais como relatórios e contas e outros documentos internos. É muitas vezes também chamado para dar informações sobre certos documentos que são enviados para as autoridades de controlo financeiro do banco. Mas não só, o departamento de estudos é igualmente responsável por apresentações regulares sobre a evolução dos mercados financeiros no comité ALCO (Assets and Liabilities Committee) do banco e no comité da Futuro, a gestora de fundos de pensões do grupo. É neste sentido que são actualizados «os modelos econométricos para perceber até que ponto as acções, as taxas de juro e o mercado cambial estão sub ou sobrevalorizados face às estimativas que são dadas».

Nesse âmbito e dado que o Montepio tem participações em Angola e Moçambique, a equipa de Rui Serra é ainda chamada regularmente para dar indicações sobre a evolução e as perspectivas das taxas de câmbio do metical e do kuanza. Aí, são muitas vezes as previsões de longo prazo que servem para fazer actualizações do plano estratégico do banco e é com base nesses dados que depois são feitas conversões das moedas locais em euros nos respectivos balanços previsionais. «Estas previsões de mercados financeiros estamos sempre a actualizá-las», frisa Rui Serra. Importa destacar, no entanto, que o departamento de estudos não faz análise a empresas cotadas em bolsa, nem tão- -pouco produz os tradicionais research para os investidores saberem o estado económico dessas empresas e se é recomendável comprar, manter ou vender acções das mesmas.

Dia-a-dia no departamento
O departamento de estudos da Caixa Económica Montepio Geral está instalado no quarto andar do edifício sede do Montepio em Lisboa, no n.º 5 da Rua Castilho, numa área próxima da sala de mercados financeiros. A equipa é reduzida, são apenas três pessoas: Rui Serra, economista chefe, José Moreira, economista sénior, e Caetano Ferreira, economista. «Somos poucos e tenho uma relação de anos, sobretudo com um deles. Logo, temos o hábito de ter conversas diárias com base nos dados que vão saindo. Não é necessário haver uma reunião propriamente dita, vamos trocando impressões a todo o momento», frisa o líder do departamento de estudos, Rui Serra.

No dia-a-dia trabalham com muitas fontes de dados, sendo umas mais automáticas do que outras. Por exemplo, a Bloomberg e Reuters permitem ambas ter ficheiros de Excel, através dos quais são feitas actualizações online com séano momento, a consciência da razão por que é que se erra a estimativa. «Por vezes são impactos de sazonalidades nas séries dos vários indicadores, que depois são influenciados por outros», diz Rui Serra, que explica que é por isso que no departamento que lidera, além de olharem para o que dá o modelo econométrico, «tentamos sempre fazer uma análise crítica aos resultados da estimativa apresentada».

Rui Serra relata ainda mais um exemplo que aconteceu no ano passado em relação à economia portuguesa. «Nesse período de recuperação económica, verificámos que alguns dos indicadores qualitativos do INE apresentavam comportamentos bastante elevados e em alguns casos registavam mesmo máximos históricos. A indicação era a de que a economia portuguesa estava a ter o maior crescimento desde que existiam contas nacionais, o que não é verdade. No ano passado, crescemos 2,7%, mas ao analisar os últimos 30 anos houve alguns, na década de 80 e 90, em que a economia cresceu mais do que isso», explicou o gestor. Para contrabalançar esse efeito, Rui Serra refere que «se achar que temos muitos indicadores qualitativos e poucos quantitativos, então opto por uma visão mais conservadora e não lanço uma estimativa muito optimista».

Previsão económica melhor do que a do Governo
O Montepio não elabora researches sobre empresas cotadas na Bolsa, o que reduz drasticamente as eventuais zonas de conflito que possam existir com quem é analisado. Mas mesmo assim, Rui Serra recorda que já houve análises sobre a economia portuguesa em que existiram situações que foram difíceis de gerir, sobretudo quando se fala do défice. «Já tivemos alguns pequenos incidentes. Não vou dizer quando, mas já aconteceu. Por exemplo, órgãos de comunicação colocarem em grande destaque “O Governo não vai cumprir o défice”, uma coisa que até já o tínhamos dito em relatórios anteriores. É a dimensão política que torna mais difícil gerir este tipo de situações», reconhece o gestor, que admite que hoje medem melhor as palavras quando analisam a questão do défice.

Também os relatórios sobre o Orçamento do Estado, por vezes, suscitam alguns stresses. Um desses casos aconteceu, confessou Rui Serra, logo após a entrega do primeiro Orçamento por parte de Vítor Gaspar, ministro das Finanças em 2011, em que o research do Montepio alertava para impactos nas contas que estavam mal medidos. «Mas esse, acho que não causou muitos problemas », admitiu o gestor. Este esclareceu que, após a apresentação de um Orçamento do Estado, «tentam fazer de imediato uma análise mais pormenorizada para saber se as estimativas feitas são realistas e se a arrecadação de impostos está efectivamente correcta».

Relação com o cliente do banco sai fortalecida
Os relatórios diários elaborados pelo departamento de estudos são para consumo interno, mas os researches semanais, entre outros, já publicados no site, são enviados para os clientes do banco, sobretudo para as empresas. Rui Serra refere que os clientes empresariais valorizam bastante os researches que contêm os indicadores sectoriais da actividade económica. «Os relatórios enviados para os clientes não são pagos», frisa o gestor, que sublinha que «o ganho é o fortalecimento da relação com o cliente e a notoriedade do banco».

UMA PEQUENA GRANDE EQUIPA

São poucos, mas bons. Este pode ser o lema dos três elementos que compõem o departamento de estudos da Caixa Económica Montepio Geral. Rui Bernardes Serra, Chief Economist, mestre em Economia Monetária Internacional pelo ISEG – numa altura em que Vítor Constâncio era o responsável pelo mestrado –, está desde 2005 no banco, tendo já desempenhado funções na Comissão de Mercados de Valores Mobiliários, primeiro no departamento de estudos relacionados com os mercados financeiros e depois no de relações  internacionais. Hoje, aos 40 anos, Rui Serra lidera o departamento responsável pelos researches que se fazem no Montepio (sobre a economia nacional, internacional e mercados financeiros), um trabalho que conta com a preciosa ajuda de José Moreira e Caetano Ferreira. O economista sénior, José Moreira, 41 anos, também é mestre em Economia Monetária e Financeira pelo ISEG e está no Montepio desde 2007, mas já  desempenhou funções na Autoridade Nacional de Comunicações e na corretora de seguros Leacock. Caetano Ferreira, economista, é o outro grande braço de Rui Serra. É dos três gestores o que tem mais anos ao serviço do Montepio, tendo exercido actividade em várias zonas do país e também em Angola. Caetano Ferreira desempenhou anteriormente funções nos antigos BPA, Banif, Banco Pastor e Finibanco.

Artigo publicado na revista Risco n.º 9 de Verão de 2018.

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