«É preciso uma nova abordagem para a gestão de risco nos seguros»

por João Alves – Senior Manager da Accenture

Quais os principais riscos que o sector segurador tem pela frente?
Há alterações disruptivas que estão a ser despoletadas por diversos factores, entre os quais se destacam o avanço considerável ao nível da tecnologia, o aparecimento de novas formas de seguros e produtos e o foco crescente na cibersegurança. De facto, segundo o “2017 Global Risk Management Study”, da Accenture, 70% dos líderes de companhias seguradoras consideram a cibersegurança como um desafio e uma prioridade estratégica.
Outros factores, como a entrada imprevisível de novos concorrentes no mercado, o crescimento acentuado das exigências regulatórias e as rígidas condições de mercado criam alterações consideráveis ao nível da gestão e funcionamento do sector.
Estes factores reiteram a necessidade de novas abordagens quanto à análise de informação, via reforço das capacidades de big data e data analytics para a identificação e gestão de riscos, bem como criam uma constante necessidade de adaptação às condições de mercado e contexto regulatório do sector de seguros. Cerca de 75% da indústria seguradora mundial acredita que processos relacionados com a análise de informação e tecnologias de big data e data analytics irão assumir um papel vital no sector enquanto capacidade de gestão do factor risco.

A gestão/management está sensibilizada para esses riscos?
Como resposta a estas mudanças as seguradoras estão a desenvolver novas abordagens e a acentuar o seu foco, no que se refere a matéria de risk management. O “2017 Global Risk Management Study”, da Accenture, conclui que as seguradoras estão a investir nas suas áreas de risco através do desenvolvimento e investimento em dimensões como a inovação digital, o rebalanceamento das competências dos colaboradores e a integração com o negócio.
O mesmo estudo permite aferir que grande parte dos executivos (87%) acredita que o sector dos seguros entrou numa era de forte avanço tecnológico, tendo-se observado uma mudança de paradigma quanto às tendências de crescimento, passando de uma lógica de crescimento linear para um crescimento cada vez mais exponencial e difícil de prever. Paralelamente, 86% dos executivos define a aposta no desenvolvimento tecnológico, a um ritmo cada vez mais acelerado, como forma de criar ou manter uma vantagem competitiva.
Este forte sentimento de mudança no sector segurador está a gerar uma grande necessidade de investimento em projectos de transformação, que estão a ser decididos e implementados de acordo com as prioridades de cada seguradora. A este nível, 73% das seguradoras considera que está sob pressão pela necessidade de investimento, mas considera que o ciclo de investimento na transformação já está em curso.

Como estão as companhias locais preparadas para os enfrentar?
A vertente tecnológica e o crescimento das imposições de cariz regulatório estão no centro dos desafios criados no sector dos seguros.
Ao nível tecnológico, as companhias de seguros locais começam a desenvolver novos produtos, que já contêm alguma complementaridade com os desenvolvimentos tecnológicos existentes à data, como é o caso da disponibilização de aplicações para telemóvel, produtos mais personalizados e segmentados, de acordo com as informações comportamentais e pessoais dos clientes – “data analytics”, entre outros como ferramentas de matemática e estatística avançada (39% das equipas de risco das seguradoras europeias está a investir em matemática e estatística avançada). Contudo, o crescimento e desenvolvimento tecnológico exponencial, materializado pelo aparecimento de novas tecnologias como a inteligência artificial (AI), robotic process automation (RPA), machine learning, cloud, big data, entre outras, desencadeia a necessidade de uma constante aprendizagem para o crescimento do negócio, o desenvolvimento de novos produtos e a identificação e gestão eficiente do risco. De referir que apenas 13% da indústria seguradora se encontra a explorar os benefícios desta automatização de processos.
Numa vertente regulatória, já se observa um investimento na preparação e ajuste às exigências regulatórias, tanto ao nível de soluções de suporte ao negócio, como ao nível de mecanismos de controlo interno centrados em matérias de gestão de risco. Estas exigências advêm da regulação em vigor, como é o caso da Solvência II, bem como de exigências futuras para as quais as seguradoras se estão a preparar, como, por exemplo, o Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD). De acordo com o estudo da Accenture, cerca de três quartos (73%) das seguradoras afirma que as exigências regulatórias estão a modificar e desafiar a função de risco. Nesta vertente estão também a ocorrer mudanças ao nível dos produtos oferecidos, da forma como estes são disponibilizados aos consumidores, bem como o aumento da transparência e estrutura da informação oferecida.
No entanto, é ainda necessário progredir e evoluir de forma a acompanhar a crescente evolução tecnológica, de modo a introduzi-la ainda mais no contexto de negócio e proporcionar a maior integração entre o risco e as restantes áreas do banco, nomeadamente com a função financeira. Adicionalmente, as exigências regulatórias constituem para o sector um desafio, garantindo-se o compliance, mas sem impactar a sustentabilidade do negócio e a experiência do cliente.

O nível de preparação difere consoante se trate de companhias nacionais ou estrangeiras? Quais as que estão melhor preparadas?
De forma geral, e no que se refere aos desafios a enfrentar no sector dos seguros, pode afirmar-se que na sua génese o nível de preparação exigido será idêntico em ambos os contextos. Esta uniformização é uma consequência da crescente globalização ao nível dos serviços, bem como pelo facto de as empresas actuarem cada vez mais num contexto global, alargando assim os seus ecossistemas de peers de mercado e de negócio. Contudo, e considerando o nível de preparação actual, é possível identificar algumas assimetrias quando se comparam as companhias nacionais com as estrangeiras, nomeadamente na maior preparação “estrangeira” para matérias relacionadas com o combate à fraude e ao crime financeiro.
Complementarmente, a existência de directivas e regulamentação comum aos vários Estados-membros da União Europeia promove e reitera esta uniformização, numa vertente regulatória, e inibe a arbitragem local.
Poderão eventualmente surgir outras assimetrias locais, despoletadas pelas exigências dos stakeholders, bem como por outras disparidades que possam existir ao nível de regulamentação, devido à intervenção do regulador nacional.

O que é necessário fazer para melhorar o desempenho das companhias nesta área?
Com o objectivo de melhorar o desempenho e promover a gestão antecipada de riscos será necessário investir nas três dimensões já acima referidas. O investimento nestas três dimensões permitirá alcançar uma framework de gestão de risco adequada para enfrentar a conjuntura actual e futura em matéria de gestão de risco. Ao nível da inovação digital, será necessário inserir na gestão de risco sistemas e ferramentas que envolvam tecnologias como a inteligência artificial, robotic process automation (RPA), machine learning, cloud e big data, tendo como principais objectivos a detecção de riscos, a optimização de custos e o enriquecimento da decisão.
No que se refere ao investimento no rebalanceamento das competências dos colaboradores, será necessário evoluir o panorama tecnológico existente, de forma a libertar os colaboradores para actividades de valor acrescentado e promover o seu potencial e a sua satisfação. Em paralelo, é necessário o reforço de recursos especializados nas novas tecnologias emergentes, promovendo a eficácia e eficiência da função de risco (69% das seguradoras reclamam a inexistência destes recursos especializados).
A integração com o negócio passa por criar formas de desenvolver e fortalecer a interligação entre as áreas de risk, finance e de negócio, através da utilização de “common data” para a gestão e tomada de decisão. Actualmente, apenas 38% da indústria seguradora considera que os líderes destas áreas trabalham com algum tipo de proximidade, mas não existindo, no entanto, uma estratégia corporativa conjunta.
O investimento e desenvolvimento destas dimensões permitirá: (a) automatizar parte significativa das tarefas de risco, nomeadamente aquelas que são mais rotineiras e manuais, permitindo que os risk officers se foquem no essencial; (b) desenvolver sistemas que actuem através da informação e reconheçam riscos que anteriormente não eram visíveis; (c) modificar o mindset da equipa de risco; (d) integração e articulação clara e directa com o senior management e (e) aumentar a proximidade entre as áreas de risco e negócio.
Por último, cerca de 75% da indústria considera fundamental e constituirá um imperativo de negócio o balanceamento contínuo e adequado entre as exigências regulatórias e a experiência de cliente.

Artigo publicado na revista Risco n.º 8 de Primavera de 2018.

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