Especial – Orçamento do Estado 2018
O QUE MUDA NOS IMPOSTOS?
Por Carlos Loureiro, Tax Managing Partner da Deloitte.
Dentro do prazo legal, apesar das difíceis negociações entre os parceiros do arco governativo, foi entregue, no passado dia 13 de Outubro, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2018 (OE 2018) na Assembleia da República. Ao longo deste artigo iremos analisar as principais medidas fiscais propostas pelo Governo, bem como o seu potencial impacto na vida das empresas e dos cidadãos.
Em termos gerais, o OE 2018 revela-se o orçamento mais consensual dos últimos anos, permitindo algum expansionismo, propiciado pelo enquadramento macroeconómico apresentado pelo Governo, o qual prevê um crescimento económico de 2,2% (um brandamento relativamente aos 2,6% previstos para 2017) e um défice orçamental historicamente baixo de 1%, apesar de uma performance menos sólida ao nível do défice estrutural, que deverá ficar abaixo das recomendações da União Europeia. Este cenário, a confirmar-se, mantém o nosso país numa estratégia de consolidação orçamental e de cumprimento dos compromissos internacionais.
Para alcançar estas metas qualitativas, o Governo conta, em 2018, com uma inflação de 1,4% (contra 1,2% em 2017), um crescimento do emprego de 0,9%, com uma redução da taxa de desemprego média para os 8,6%. O saldo primário também deverá subir no próximo ano para 2,6% do PIB e o investimento total da economia deverá progredir 5,9%.
O maior problema estrutural da economia portuguesa continua a residir na dívida pública, que tem vindo a aumentar, relativamente à qual se prevê uma redução para 123,5% do PIB, manifestamente insuficiente para as necessidades do País.
As prioridades enunciadas para o exercício orçamental assentam na recuperação do rendimento das famílias, na criação de emprego e no apoio ao investimento das empresas e à inovação.
Em termos globais, a carga fiscal deverá sofrer um ligeiro alívio ao nível da tributação directa que incide sobre os rendimentos das pessoas singulares, justificado pelo alargamento do número de escalões do IRS, que passam dos actuais cinco para sete escalões, e pela confirmação de que deixará de se aplicar em 2018 a sobretaxa do IRS. Contudo, manter-se-á a taxa adicional de IRS, de 2,5% para rendimentos entre os 80 mil e os 250 mil euros, e de 5%, para rendimentos acima dos 250 mil euros.
No entanto, há a considerar o eventual agravamento a que algumas famílias poderão ficar sujeitas, em face do fim da isenção de tributação em IRS dos Vales de Educação e pelas novas regras de determinação do rendimento tributável a serem aplicadas ao regime simplificado de tributação.
Para as empresas, uma boa notícia será a de que não se encontram para já previstas alterações significativas/agravamentos ao regime de tributação dos seus lucros. No entanto, o objectivo que foi estabelecido aquando da Reforma do IRC, que entrou em vigor em 2014, de serem progressivamente eliminadas as Derramas (estadual e municipal) e reduzida a taxa do IRC para um valor entre 17% e 19%, está longe de ser cumprido. Aliás, embora não previsto no
OE 2018, é possível que as empresas que apresentam lucros acima dos 35 milhões de euros possam vir a sofrer um agravamento da sobretaxa em 2%, o que originaria uma tributação máxima agregada sobre os lucros de 31,5%, contrariando a tendência de muitos outros países, que têm vindo a reduzir a tributação das empresas como forma de captarem investimento.
Ao nível dos impostos sobre o património, depois do agravamento significativo que sofreram em 2017, com a introdução do Adicional do IMI, não se verificam alterações relevantes para o próximo ano.
Os impostos indirectos, que tiveram nos últimos anos um contributo decisivo no cumprimento das metas orçamentais, continuam a representar a maior fatia dos impostos arrecadados em Portugal. Entre os vários impostos que aqui se incluem, e não obstante a maior relevância ser naturalmente do IVA e do ISP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos), merece igualmente destaque a proposta de criação do imposto especial sobre os produtos com alto teor de sal. À semelhança do que sucedeu em 2017 com a tributação sobre as bebidas açucaradas, voltamos a ter a fiscalidade a ser utilizada com o propósito de influenciar os hábitos de consumo dos cidadãos.
Finalmente, assiste-se à prorrogação para 2018, nas condições que se têm vindo a aplicar, das contribuições especiais sobre a indústria farmacêutica, o sector bancário e o sector energético.
IRS
Redução da carga fiscal com extinção da sobretaxa e dois novos escalões.
Por Luís Leon, Partner da Deloitte.
A Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2018 traz uma redução da carga fiscal em sede de IRS. O que muda e que contribuintes sentirão este alívio é o que tentaremos explicar neste artigo.
Importa antes de mais recordar que, em Portugal, e de acordo com as declarações anuais de IRS, existe uma percentagem muito significativa de contribuintes que, por terem rendimentos muito baixos, não pagam qualquer imposto. Os últimos dados disponíveis indicam que esta percentagem corresponde a aproximadamente 48% das declarações de IRS submetidas.
Assim, para os cerca de 52% de portugueses que pagam este imposto, o OE 2018 propõe uma redução do mesmo por dois aspectos: pela extinção da sobretaxa e pela criação de dois novos escalões.
Com efeito, depois de anunciada a sua extinção em 2016, de ter sido reduzida em 2017, é em 2018 que a sobretaxa é finalmente eliminada. Efectivamente a eliminação da sobretaxa tem o maior peso na redução da carga fiscal para 2018. A redução fiscal máxima, decorrente da criação de dois novos escalões, apenas tem impacto para rendimentos até 2.925 euros brutos por mês, sendo a redução anual máxima de IRS correspondente a 293 euros. Por seu turno, para rendimentos superiores a 3.187 euros, e apesar de o IRS ser um imposto progressivo, o efeito da criação dos dois novos escalões é anulado. Neste intervalo de rendimentos, a taxa aplicável passa dos actuais 37% para 45%, aumentando o IRS precisamente em 293 euros. Este aumento de taxa faz com que os rendimentos, que se encontram acima do limite acima referido, não beneficiem da redução de IRS dos primeiros escalões.
O Indexante dos Apoios Sociais (IAS) passa a determinar o mínimo de existência. De acordo com o valor actual do IAS, o mínimo de existência será aumentado de 8.500 para 8.847 euros. Adicionalmente, este regime, que actualmente só se aplica a salários e pensões, passa a aplicar-se aos rendimentos vulgarmente designados por recibos verdes.
No que diz respeito aos rendimentos empresariais e profissionais, é proposta uma alteração significativa ao regime simplificado. Numa redacção que terá que ser melhor clarificada, o regime proposto mantém os actuais coeficientes, embora limitando a sua aplicação ao valor da dedução específica aplicável aos rendimentos do trabalho dependente (4.104 euros), ou ao somatório das despesas constantes do e-fatura com rendas de imóveis e com despesas com pessoal a título de remunerações, ordenados ou salários. Na prática, esta proposta de alteração visa limitar significativamente a aplicação dos coeficientes, sendo expectável um aumento do IRS aplicável a todos os rendimentos empresariais ou profissionais.
Outra alteração consiste na revogação da não sujeição a IRS dos Vales de Educação. Estes permitem às entidades empregadoras financiar as despesas de educação dos filhos dos trabalhadores, com o limite anual de 1.100 euros por cada filho. Sendo um instrumento de realização de utilidade social, que permite às empresas apoiarem a educação dos dependentes dos seus trabalhadores, não são ainda claros os motivos que estão na origem desta revogação. Para os trabalhadores que beneficiam actualmente deste benefício, esta revogação representa um agravamento da carga fiscal.
IRC
Manutenção do regime de tributação dos seus lucros.
Por Renato Carreira, Partner da Deloitte.
Analisando em detalhe a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2018, no que toca aos impostos sobre os lucros das empresas, merece desde logo evidência a manutenção das actuais taxas de imposto sobre os lucros, não se encontrando prevista a descida da taxa nominal do IRC ou das Derramas. Por outro lado, parece afastada, para já, qualquer subida da tributação para as empresas com lucros tributáveis acima dos 35 milhões de euros. Contudo, haverá que aguardar pela discussão na especialidade e aprovação final do Orçamento.
Em termos de extensão da obrigação de imposto, passam a ser sujeitos a IRC os ganhos resultantes da transmissão onerosa de partes de capital ou de direitos similares em sociedades estrangeiras quando, em qualquer momento durante os 365 dias anteriores, o valor dessas partes de capital ou direitos resulte, directa ou indirectamente, em mais de 50%, de bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português. Encontram-se excluídos os bens imóveis afectos a uma actividade de natureza agrícola, industrial ou comercial, que não consista na compra e venda de bens imóveis.
Ao nível dos encargos não dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, prevê-se a não dedutibilidade da contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica.
Na tributação autónoma em IRC, ao montante global da respectiva liquidação passam a não poder ser efectuadas quaisquer deduções, ainda que estas últimas resultem de legislação especial. A esta alteração é conferida natureza interpretativa, o que, em termos práticos, visa aplicar retroactivamente a nova disposição (muito embora, em casos similares, os tribunais tenham vindo a rejeitar tais efeitos retroactivos).
À semelhança do que sucedeu para 2016 e 2017, é determinada a inclusão no lucro tributável do grupo do período de tributação de 2018, apurado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), de um quarto dos resultados internos gerados durante a aplicação do regime de tributação pelo lucro consolidado (em vigor até 2000), cuja tributação se encontre pendente no último dia do período de tributação de 2016.
Do lado dos benefícios, destaca-se pela positiva que a “dedução por lucros retidos e reinvestidos” alarga o prazo do reinvestimento de dois para três anos, aumenta o montante máximo dos lucros retidos e reinvestidos de 5 para 7 milhões e meio de euros, e duplica para 50% o limite da dedução à colecta no caso das micro e pequenas empresas.
Também o benefício da “remuneração convencional do capital social” passa a abranger as entradas em espécie por conversão de quaisquer créditos (e não apenas as conversões de suprimentos ou outros empréstimos de sócios, como acontece actualmente).
Ao nível dos donativos, verifica-se a prorrogação por cinco anos dos benefícios fiscais ao mecenato científico.
No principal incentivo fiscal à Investigação & Desenvolvimento (SIFIDE) é antecipado de Julho para Maio o prazo para submissão de candidatura e adiantada a possibilidade de vir a ser cobrada uma taxa às empresas interessadas, em virtude da avaliação da candidatura.
Merece ainda referência a alteração do incentivo fiscal à produção cinematográfica, que passa a abranger igualmente a actividade audiovisual. No entanto, na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2018 é concedida uma autorização ao Governo para revogar o actual regime de incentivo fiscal e para proceder à constituição de um fundo junto do Turismo de Portugal, que tem por objecto o apoio a acções, iniciativas e projectos que contribuam, entre outros, para a captação de grandes eventos internacionais e de filmagens para Portugal.
Conforme já anteriormente referido, são prorrogadas para 2018 as contribuições extraordinárias actualmente em vigor sobre o sector energético, o sector bancário e a indústria farmacêutica.
IMPOSTOS INDIRECTOS
Menos progressividade no sistema fiscal português.
Por Afonso Arnaldo, Partner da Deloitte.
Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2018 mantém a tendência de aumento do peso absoluto e relativo dos impostos indirectos no sistema fiscal português. A confirmarem-se os números apresentados, os impostos indirectos representarão em 2018 quase 60% da receita fiscal portuguesa. Será fácil concluir que, do ponto de vista da carga fiscal, os mais prejudicados com esta tendência são aqueles que menos ganham.
De facto, prevê-se que em 2018 a receita adicional dos impostos indirectos ronde cerca de 1,2 mil milhões de euros, fruto de diversos factores, como seja o crescimento económico, a actualização das taxas de imposto (em geral, em linha com a inflação prevista), pequenos acertos técnicos em determinados impostos sobre o consumo e a criação do novo Imposto Sobre os Alimentos Com Alto Teor de Sal (ainda que com uma receita prevista para 2018 pouco expressiva – cerca de 30 milhões de euros).
Tendo em conta que mais de metade da população portuguesa não paga qualquer montante de IRS (devido aos baixos rendimentos que tem), agravar os impostos sobre o consumo significa, para os que menos têm, um efectivo aumento da carga fiscal que suportam, não compensado por qualquer redução de impostos sobre o rendimento, uma vez que os que menos têm também consomem os produtos que vêem a sua tributação ser agravada em 2018.
Ou seja, as medidas que visam atribuir uma maior progressividade ao IRS em 2018 (mesmo essas contraditórias, uma vez que são contrariadas por alterações no próprio IRS, como é o caso das alterações ao regime simplificado e do fim dos Vales de Educação) são significativamente afectadas face ao aumento dos impostos indirectos, os quais são genericamente “cegos” em termos de justiça social.
Será mais fácil fazer passar uma carga fiscal superior nos impostos indirectos do que nos impostos directos, uma vez que todos estamos bem mais alerta quanto ao montante de IRS que pagamos, do que para o valor de impostos indirectos contido nos bens e serviços que consumimos no dia-a-dia (algo que normalmente apelidamos como “anestesia fiscal”).
Efectivamente, poucos terão consciência de que os impostos representam cerca de 70% do preço da gasolina sem chumbo 95, que mais de 50% do valor pago por uma garrafa de bebida espirituosa são impostos, que mais de 65% do preço de um maço de tabaco vai directo para os cofres do Estado ou de que, a partir de Fevereiro de 2018, facilmente mais de 50% do valor pago por um pacote de bolachas corresponderá ao novo imposto e ao IVA.
Em suma, em 2018 assistiremos a um agravamento fiscal para aqueles que têm menores rendimentos, fruto do aumento dos impostos indirectos. De todo o modo, desde que este facto seja compensado com apoios sociais adicionais, poderão estas camadas mais desprotegidas ver reposto o seu poder de compra.
IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO
Por Ricardo Reis, Partner da Deloitte.
A proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2018 não prevê o agravamento dos Impostos sobre o Património Imobiliário para 2018, talvez porque a receita fiscal recolhida por este tipo
de impostos tenha já aumentado significativamente no último ano. Para 2017, espera-se que a receita fiscal do Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) aumente 22% e a receita fiscal do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) aumente perto de 10%. No entanto, estão previstas diversas alterações, que merecem destaque pela relevância que poderão assumir no acesso a benefícios fiscais, ou na simplificação dos processos de liquidação e pagamento dos impostos. Relativamente aos benefícios fiscais, são de destacar as alterações a introduzir no regime da reabilitação urbana e nos incentivos aos processos de reestruturação empresarial, bem como a criação de um novo quadro aplicável às denominadas “lojas com história”.
O mecanismo de incentivos aos processos de reestruturação empresarial – que passam, entre outras situações, pela isenção de IMT e Imposto do Selo devido pela transmissão de imóveis que lhe estejam inerentes – é alterado estruturalmente, no sentido em que deixa de estar condicionado ao deferimento expresso por parte do ministro das Finanças. Esta alteração é encarada não só como uma medida de simplificação, mas também como uma diminuição da margem de discricionariedade na aprovação deste tipo de benefício fiscal, o que certamente proporcionará o alargamento do seu âmbito de aplicação.
Ainda no âmbito dos Impostos sobre o Património Imobiliário, salienta-se a criação de benefícios fiscais para os imóveis onde funcionam as denominadas “lojas com história”, correspondendo a uma isenção de IMI, assim como à possibilidade de majoração em 10% dos gastos relativos a obras de conservação e manutenção, para efeitos fiscais.
No que se refere à simplificação dos processos de liquidação e pagamento dos impostos, há a salientar, no âmbito do Adicional ao IMI, a introdução de regras que visam simplificar o apuramento do imposto relativamente aos sujeitos passivos casados ou unidos de facto.
Assim, deixará de ser exigida a renovação anual da opção pela tributação conjunta, que passará a manter-se válida indefinidamente, até à sua renúncia. Por outro lado, é introduzido um mecanismo de actualização das matrizes prediais, que permitirá uma correcta afectação do valor dos imóveis entre cada membro do casal, para os casos de tributação separada.
Adicionalmente, os contribuintes passarão a poder alterar a opção entre a tributação conjunta e a tributação separada, mesmo depois de receberem a liquidação do imposto.
Alterações no Regime de Reabilitação Urbana
- Em alguns casos, passam a ser elegíveis os prédios ou fracções autónomas não localizados em áreas de reabilitação urbana, desde que concluídos há mais de 30 anos;
- Deixam de ser elegíveis as intervenções promovidas fora do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana ou do Regime Excepcional de Reabilitação Urbana, independentemente da melhoria do estado de conservação ou da classificação energética;
- Passa a ser exigido, cumulativamente, o cumprimento das condições relativas à certificação do estado de conservação do edifício, por um lado, e à classificação energética, por outro (anteriormente, apenas um dos tipos de certificação era exigido, em função do benefício fiscal ser aplicável ao promotor da intervenção ou ao adquirente do prédio reabilitado, respectivamente);
- Relativamente à certificação da evolução do estado de conservação do edifício, passa a ser exigida uma classificação mínima de “bom”;
- É revogada a limitação temporal correspondente à condição de conclusão das acções de reabilitação até 31 de Dezembro de 2020, relativamente a alguns incentivos fiscais, nomeadamente as isenções de IMT, de IMI e redução da taxa do IRS a 5% sobre rendimentos prediais e mais-valias de imóveis.
Artigo publicado na revista Risco n.º 7 de Dezembro 2017/Janeiro 2018