«Somos todos “Screenagers”»

A liderança do mercado das telecomunicações está destinada aos operadores que consigam adoptar novos modelos de negócio alinhados com a economia digital. Quem o afirma é Dana Eaton, managing director da Accenture na área de Comunicações, Media e Tecnologia, que diz ainda que esta indústria exige que se continue com a revolução em vez da evolução.

Qual é o futuro da indústria das telecomunicações a nível global e particularmente a nível europeu? Será a consolidação a chave para a sobrevivência?

Num mundo que se rege por uma grande procura de produtos e serviços digitais, esta indústria poderá ter um futuro muito promissor à sua frente. Os operadores de telecomunicações têm de ser flexíveis para se adaptarem às rápidas mudanças de mercado, não apenas como um facilitador, mas também como um criador de novos ecossistemas digitais, facilitando os novos “living services” e sendo o motor da sociedade digital. Os operadores de telecomunicações mais ágeis e inovadores, que adoptam rapidamente novos modelos de negócios alinhados com a economia digital serão líderes neste mercado. Observamos dois ciclos principais de consolidação: geográfica, quer a nível global, quer a nível local; e de serviços, através de alianças e aquisições para expandir o portefólio de oferta no novo ecossistema digital. No entanto, os novos tipos de serviços e negócios que estão a surgir e a convergência entre eles está a redefinir as cadeias de valor tradicionais. O cenário competitivo do digital ainda é emergente e existe ainda grande margem de crescimento, abrindo espaço a um novo ciclo de consolidação em breve.

A Accenture ajudou diferentes operadores em processos de fusão e de aquisições. Numa perspectiva ibérica, quais as oportunidades de crescimento nesta área?

Portugal e Espanha têm mais de 25 fornecedores de serviços de telecomunicações, pelo que a consolidação irá gerar maiores economias de escala e sinergias, permitindo reforçar a capacidade de criar novos produtos e serviços. O desafio é perceber como é que esses fornecedores se podem tornar relevantes num mercado competitivo a nível global, movendo a sua presença geográfica além dos limites da península.

Os operadores de telecomunicações e de cabo beneficiaram com o boom da adopção e utilização de serviços móveis. Quais são as principais tendências digitais que têm impactado os operadores?

Em primeiro lugar, observamos uma alteração demográfica do consumidor digital. Já não falamos apenas sobre a geração de millennials, o novo estilo de vida digital tornou-se transversal. Todos somos “Screenagers”. Apesar de nem sempre nos apercebermos, o comportamento não se alterou apenas nas novas gerações mas em todas dependendo do seu estilo de vida. Não devemos encarar como um nicho de mercado, mas sim como o mercado real.
A Accenture conduziu recentemente uma pesquisa com mais de 24 mil consumidores a nível global, em mais de 24 países. As conclusões do estudo Accenture Digital Consumer Survey indicam cinco tendências:
• Os screenagers estão sempre conectados – múltiplos ecrãs, múltiplos dispositivos e uma enorme apetência pelo digital. Mais de 50% dos inquiridos entre os 35 e os 55 anos têm e utilizam uma combinação de tablet, smartphone e computador.
• Objectivo: uma melhor vida digital. O nível de qualidade e de usabilidade representam agora a diferença entre o sucesso e o fracasso.
• Confiança: Os consumidores estão cautelosos sobre a partilha dos seus dados pessoais e com quem os partilham, assim como com quem efectuam transacções.
• A lealdade deve ser conquistada: Uma marca só por si não é suficiente. As empresas que melhorarem e simplificarem as vidas digitais dos consumidores podem ser vencedoras.
• Um mundo de oportunidades: Estamos à beira da próxima grande onda de transformação de serviços digitais, que será verdadeiramente transformadora para as empresas e para sociedade. Alguns chamam-lhe Internet of Things, mas acreditamos que este termo não descreve com precisão os benefícios inerentes a esta nova era. Pensamos que é a era dos Living Services, um resultado da digitalização de tudo e das expectativas dos consumidores.

Onde poderemos encontrar o valor de negócio a médio e longo prazo? Nos conteúdos? Nos serviços?

A transformação da indústria das telecomunicações vai entregar valor aos prestadores de serviços digitais tradicionais, tanto a médio como a longo prazo, através de diferentes dimensões:
• Infra-estruturas flexíveis: As infra-estruturas vão estar no centro do “Living Telco”, deixam de desempenhar o papel de facilitador (“utility”) para permitir a criação do ecossistema digital.
• Distribuição de conteúdos: Alavancar e gerar receitas através de conteúdos vai permitir uma maior criação de valor para os operadores. Modelos de receitas associados a conteúdos são profundamente impactados pela digitalização da sociedade.
• Novos serviços: Living services, isto é, serviços digitais para os utilizadores transformarem a forma como vivem, trabalham, aprendem… Um operador de telecomunicações vai tornar-se parte do dia-a-dia de qualquer dos seus clientes.

A maioria dos operadores de telecomunicações em Portugal oferece pacotes combinados aos seus clientes, particularmente no que toca a serviços de voz, fixos ou móveis, televisão e internet. Como podem os operadores diferenciar-se de forma a conquistar clientes?

Como demonstrado pelo estudo da Accenture, os screenagers estão ansiosos por novos produtos digitais, e preocupam-se com a simplicidade, a facilidade de utilização, e a confiança em relação à segurança e à privacidade dos seus dados. Os inquiridos também afirmaram estar dispostos a pagar mais por serviços de qualidade: gostam de soluções agregadas pelo mesmo fornecedor, e preferem confiar em marcas fortes para a protecção dos seus dados pessoais. Neste contexto, os operadores de telecomunicações podem ser os players preferidos, já que se encontram bem posicionados para capitalizar o que existe e ter uma vantagem competitiva no mercado.

Serão as ofertas actuais suficientes para responder às necessidades desta nova geração de consumidores, que intitulou de “Screenagers”, ou terá a indústria que se reinventar? Em que sentido?

A indústria exige que se continue com a revolução em vez da evolução. A actual oferta de serviços ainda tem um amplo espaço para transformar as novas tecnologias digitais, abrindo-se um novo mundo de possibilidades que dará origem às “Living Telco”.

As empresas de telecomunicações têm feito o mercado acreditar que se conseguem obter melhores condições ao negociar no final dos períodos de fidelização. Podemos dizer que, ao contrário de outros, a falta de lealdade é recompensada nesta indústria? Como pode um operador inverter este modelo de forma a conquistar e reter clientes? O que muda quando falamos da lealdade dos screenagers?

De acordo com os inquiridos no estudo deste ano, a lealdade tem de ser conquistada. O operador que garanta novos serviços de alta qualidade irá conseguir um nível maior de lealdade. As organizações que melhoram e simplificam a vida digital dos consumidores saem vencedoras. Na maioria dos casos a lealdade termina com o fim de um contrato e todo o processo precisa de ser construído novamente. Isto é algo que as empresas de telecomunicações precisam de combater e garantir que os seus clientes percebem o que as diferencia.

Relativamente à optimização de recursos (financeiros, humanos ou técnicos), quais são as estratégias e questões a evitar para não comprometer o crescimento do mercado ou a satisfação do cliente?

Pela experiência da Accenture junto dos nossos clientes, uma estratégia bem-sucedida para vencer esta batalha é apostar na reinvenção. Esta é a mesma fórmula que a Accenture tem inclusivamente aplicado internamente e a nível global, com excelentes resultados. Nesse sentido, temos desenvolvido um conjunto de novas abordagens de negócio por indústria, suportadas por novas capacidades. Prevê-se que esta nova arquitectura digital seja incorporada gradualmente, de forma industrializada, simples e competitiva com a estrutura actual do operador. O desafio é que
os resultados de curto prazo não substituam os de longo prazo. As operadoras de telecomunicações precisam de investimento contínuo para manter ou aumentar a sua competitividade e essas estratégias devem ser alinhadas com uma necessidade imediata de resultados.

Reed Hastings, fundador da Netflix, afirma que a streaming TV vai matar a televisão tradicional, da mesma forma que os telemóveis venceram os telefones fixos. Concorda?

Há uma tendência clara para alterar a forma como os consumidores se relacionam com o ecrã. A tendência actual mostra-nos que a televisão por streaming vai ganhar quota de mercado nos próximos anos. Actualmente, apenas 44% dos consumidores que possuem uma Smart TV a utilizam como uma connected TV, embora seja de esperar que o uso da connected TV aumente significativamente nos próximos anos, ampliando ainda mais o consumo de Video on Demand (VOD). Terá lugar uma transformação no negócio de televisão tradicional de forma a responder às novas e diferentes necessidades, mas a televisão tradicional não vai desaparecer num futuro próximo. As fronteiras entre a televisão tradicional e o streaming são muitas vezes confusas e os telespectadores devem navegar entre elas sem esforço.

Entrevista publicada na edição de Dezembro da Executive Digest

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