Renovar e capitalizar

Por Paulo Carmona

Um país que deseja a inovação tem de aceitar a renovação, bastante difícil numa sociedade tradicionalmente conservadora.

Temos hoje um processo de insolvência que se arrasta demasiado no tempo com prejuízo para a transparência de processos, para a viabilidade da empresa, para os trabalhadores e para os credores.

Quando uma empresa sente dificuldades mete-se num PER e pode por lá ficar um tempo demasiado e desgastante, mesmo que já esteja falida e sem recuperação possível.

A verificação de créditos é muito demorada, a venda de activos por vezes é pouco transparente e o pagamento aos credores é realizado tardiamente. Isto num país onde o endividamento das empresas é muito alto e a probabilidade de terem problemas financeiros é bastante elevada.

Um país que deseja a inovação tem de aceitar a renovação, bastante difícil numa sociedade tradicionalmente conservadora. Temos um sistema em que, para lá do preconceito e anátema da falência, existem muitas forças para aguentar uma empresa falida, zombie, para lá do recomendável.

Os accionistas querem arrastar a sobrevivência da empresa para tentarem resolver algumas garantias reais ou activos vendáveis, num “perdido por cem, perdido por mil” com actos por vezes ilícitos.

Os bancos até muito recentemente queriam adiamentos para não registar imediatamente as imparidades e o governo e entidades oficiais para que a falência não ocorra no seu mandato, com as consequências sociais e políticas inerentes, apesar das causas de falência pertencerem a outros tempos. E a renovação é essencial, ou a muito falada destruição criativa (ex. Schumpeter). Se uma árvore velha e morta não é deixada cair, as pequenas árvores não conseguem crescer.

Para uma empresa jovem e inovadora vencer num mercado concorrencial é necessário que a concorrência exista. Proteger empresas com máquinas ou instrumentos e processos obsoletos e uma gestão incapaz, é concorrência desleal e um sério impedimento à tão pretendida inovação e renovação empresarial com vista à concorrência num mercado cada vez mais global.

A boa noticia é que o Governo, dando voz a uma preocupação crescente da sociedade, e entre outros da Missão Crescimento, www.missaocrescimento.com, está a legislar no sentido de tornar o processo de renovação mais expedito através de alterações profundas na recuperação de empresas.

É criado o RERE, Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas, que permite e facilita um acordo de reestruturação da dívida livre e confidencial e dificultando o acesso ao PER.

Uma empresa em dificuldades tem de provar, por um ROC, que é solvente para poder aderir ao PER, caso contrário entra imediatamente em processo de insolvência.

Nesse processo bastante mais célere, os credores assumirão o protagonismo e, com maior transparência e partilha de informação, decidir do futuro da empresa e dos seus activos. E podem mesmo, reunindo dois terços dos créditos, converter automaticamente os seus créditos em capital e eventualmente vender o controlo da empresa a terceiros.

Claro que o diabo está nos detalhes, mas a intenção é de salvar o que pode ser salvo e destruir rapidamente o que não tem viabilidade, para que outros, mais competitivos e inovadores, possam ser grandes.

Este artigo foi publicado na edição de Maio de 2017 da revista Executive Digest.

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