Portugal e o renascimento chinês

Por Paulo Carmona

“Deixem a China dormir pois quando despertar o mundo tremerá”, esta frase profética atribuída a Napoleão, e título de um livro de Alain Peyrefitte em 1976, já há muito que é uma certeza.

Regressado de uma viagem à China e mal refeito do que vi: uma sociedade moderna, informatizada, com o smartphone a substituir o papel-moeda ou a ida ao supermercado.

Um mundo novo em megacidades onde tudo é recente e bom porque tecnologicamente moderno. E um nível salarial médio superior ao português e a crescer, dados os constantes aumentos de produtividade e a escassez de talentos para as necessidades de indústrias com maior valor acrescentado.

Uns salários que fomentam maior consumo e mais empresas dedicadas ao mercado interno e com necessidade de importações. Um mercado onde o vinho e o azeite portugueses podem ser produtos de eleição.

Estando tanto tempo adormecida, quando acorda tudo o que constrói é mais moderno. E de acordar falamos. No final do século XVIII a China, mercê da sua população e das férteis bacias dos rios Amarelo e YangTse, representaria 20% do PIB mundial. Tendo perdido a Revolução Industrial e permanecido uma sociedade agrária, esfomeada após a Revolução Cultural, a sua participação no PIB mundial era de 2% no início dos anos 80, 16 vezes menos o PIB dos EUA. Hoje é 19% e as previsões são que ultrapasse o PIB dos EUA em 2020, ou antes.

A nova ordem internacional não foi só a queda do Muro e dos regimes socialistas, foi a emergência da China e do Extremo Oriente com a diminuição da relevância do Ocidente, algo ainda difícil de engolir nos EUA.

Não parece que o mundo deva ter medo da China, porque a China não parece querer controlar o mundo, apenas ser tida ao mesmo nível de importância que os EUA e assegurar uma presença importante em África como complemento das suas necessidades internas de bens agrícolas e matérias-primas.

Para melhor entender a China temos o livro de Henry Kissinger, com o mesmo nome. Para quem não tiver tempo de o ler existe uma boa recessão no site da NovaCidadania.pt. Uma das passagens mais repetidas é a diferença nos objectivos ocidentais e chineses, expressas nos seus jogos de estratégia mais populares, o xadrez e o wei qi ou go como é mais conhecido.

No xadrez, o objectivo é conseguir a vitória total matando o rei do adversário; no wei qi pretende-se uma vantagem relativa através do cerco às peças do adversário.

“O xadrez ensina os conceitos clausewitzianos de ‘centro de gravidade’ e de ‘ponto decisivo’ (…). O wei qi ensina a arte do cerco estratégico”, escreve Kissinger.

O jogo é tentacular e daí as suas posições em países que para a China sejam importantes. Portugal é medianamente importante, e as suas tomadas de participação aqui estão. Porque Portugal é uma potência marítima que complementa uma chinesa mais continental. Uma potência marítima não económica, mas o que resta dela, a vertente cultural e linguística, com incidência nos mercados africanos e mesmo brasileiros, é vital para o novo século chinês. Esta posição vai amadurecer e levar o seu tempo até estar pronta. Os chineses pensam a 30 ou mais anos, nós andamos entretidos com a espuma dos dias… estagnados.

Este artigo foi publicado na edição de Abril da revista Executive Digest.

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