De querido a malandro
Por Paulo Carmona
Caso seja acometido duma vontade de crescer, por aquisição de outras empresas ou contratação de pessoal para além da fasquia dos 50, de forma a atingir a necessária massa crítica para competir internacionalmente, consulte um médico. E peça calmantes.
Ter uma startup é excelente, um sinal de empreendedorismo, acarinhado por todos e com direito a fama na Web Summit. Tem os apoios possíveis, e bem, sendo acolhido como uma prova de modernidade portuguesa, um orgulho que todos os governos gostam de apresentar.
O próximo passo é conseguir sobreviver e já não é mau. Nas novas tecnologias é uma sorte de taluda. É mais normal não sair nada na cautela, mas se sai, são milhões. Em todo o mundo são muitas as que falham, para uma vingar. E se tal acontecer o mundo é a fronteira. Nesse negócio, Portugal é demasiado pequeno, é um laboratório de testes, mas o prize-money está fora, e para lá vai de armas e bagagem, procurar clientes e investidores. Caso esteja num sector mais calmo a vender pastéis de nata a turistas, tuk tuks, airbnb, com dois ou três amigos, permanecerá uma microempresa ignorada por muitos, com pouco valor acrescentado, mas atenta ao IVA e a meia dúzia de obrigações fiscais.
Se tiver sucesso e a loucura e ambição de o aproveitar, pode tornar-se numa PME e passar de empreendedor a empresário. Alguém que deve ser apoiado. Contudo, não será um orgulho assim tão grande dado que já entrou na normalidade. Já terá de se preocupar com legislação fiscal, laboral, civil, ter um técnico oficial de contas e um sem número de certificações e licenças para exercício da actividade. Descobrirá uma larga comunidade que irá alimentar através dessa economia das taxas e certificações, para lá do omnipresente Estado.
Caso seja acometido duma irresistível vontade de crescer, por aquisição de outras empresas ou contratação de pessoal para além da fasquia dos 50 trabalhadores, de forma a atingir a necessária massa crítica para poder competir internacionalmente, fora das cadeias de valor de subcontratação que lhe esmagam as margens, consulte um médico. Peça calmantes. Com mais de 50 trabalhadores deixa de ser PME, passa de empresário a patrão, deixará de contar com os apoios concedidos a quem é pequenino e começará a ter mais problemas com sindicatos, Autoridades como a das Condições do Trabalho e normas de defesa dos trabalhadores e da sociedade contra esses malandros dos privados, segundo a ideologia reinante. E a comunidade de taxas e certificações que se alimenta das empresas aumenta exponencialmente. Talvez por isso, conforme num estudo da Deloitte apresentado pela COTEC, existem poucas empresas no intervalo entre 50 e 120 trabalhadores. Aguentam-se todas o mais possível nos 50 e no estatuto de PME, talvez com apoio do médico e do advogado.
Reparem como se passa de querido a malandro conforme a dimensão da empresa e do empreendedorismo. Não podem exagerar, mantenham-se pequenos, fora do radar. Há todo um ecossistema pronto a criar custos de contextos e a viver à conta de quem é grande, e rico porque criou riqueza e emprego. Talvez a ideologia, talvez a inveja ou talvez a estupidez. Promovemos o pequenino e assim ficamos… pequeninos e poucochinhos.
Este artigo foi publicado na edição de Julho de 2018 da Executive Digest.