ENTREVISTA: Carlos Rodrigues | As poderosas empresas tecnológicas são uma ameaça para a banca
O sector bancário vive dias difíceis. A teia legislativa não pára de aumentar e o controlo sobre a gestão e os accionistas tem a malha cada vez mais apertada. Carlos Rodrigues, presidente do Banco BIG, considera que a inovação está a perder-se na banca tradicional e as grandes empresas tecnológicas estão em franco crescimento no sector financeiro e ameaçam mesmo os bancos tradicionais. Na vanguarda, o BIG já acordou com nove fintechs e prepara a abertura de uma sucursal em Espanha, depois de há dois anos ter entrado no mercado moçambicano. Por Renato Santos.
A agência Moody’s considera que o sector bancário ainda é um risco para a evolução económica em Portugal. Como é que vê hoje a banca portuguesa neste período pós-troika?
Não tenho os meios, nem fiz os estudos que a Moody’s fez, mas considero que a situação em geral é muito melhor. São águas passadas, mas sempre fui da opinião de que, na altura da intervenção, se deveria ter aproveitado a totalidade dos 12 mil milhões de euros destinados à banca para operar uma limpeza, tão rápida quanto possível, dos créditos malparados. Não foi esse o caminho seguido, ao contrário da Irlanda, e por isso o nosso processo de limpeza do balanço dos bancos levou mais tempo. Não há dúvida de que esse foi um problema que atrasou o sistema financeiro em Portugal.
Hoje, diria que o risco é bastante menor do que aquele que já constituiu e, a existirem ainda algumas situações, essas não terão dimensão para afectar o desempenho da economia nacional.
Há risco de podermos assistir a novos casos como o BPN, o BPP, o BES ou Banif?
Sim, é verdade. Mas também é preciso dizer que a captação de capital estrangeiro foi uma realidade em muitos sectores da economia, porque o país precisa desses investimentos para manter a dinâmica económica. É verdade que entrou capital chinês para a maior seguradora portuguesa, a Caixa Seguros, mas depois disso entraram capitais de várias nacionalidades. Não temos de criar nenhum bicho-papão com o país de origem do capital. O capital estrangeiro faz falta e trouxe uma nova dinâmica ao sector.
Vivemos numa economia global e a origem do capital não é importante. O importante são os centros de decisão. A verdade é que, olhando para todas essas companhias, as lideranças mantiveram-se portuguesas e as suas matrizes continuam a ser nacionais. Isso é que é de louvar.
Ao contrário do pesadelo vivido por muitos grandes bancos comerciais, os mais pequenos e de nicho conseguiram passar bem pela onda da crise. Continua a ser verdadeira a frase “Small is beautiful”?
Como todos os títulos, nem sempre conseguem capturar toda a verdade, apenas sublinham parte. E a verdade é que estamos num sector de nicho, num país que tem os níveis de riqueza per capita dos mais baixos da Zona Euro e os nossos crescimentos são extremamente reduzidos. Para nós, que somos um banco de nicho num mercado pequeno, apesar dos nossos activos não terem de ser exclusivamente nacionais, vivemos sempre com a necessidade de crescer ou de fazer uma consolidação, porque o mundo vai crescendo à nossa volta.
Está a dizer que era bom que houvesse uma onda de fusões e aquisições no mercado português?
Era, mas penso que não vai haver. As fusões e aquisições acontecem em Portugal geralmente por necessidade, uma vez que não há elementos agregadores que as promovam. Somos um país pequeno, com escassos níveis de capitalização… Deixe-me pôr as coisas neste sentido: tudo aquilo que pensamos e analisamos, e nem sequer começámos o processo, não nos arrependemos de não ter feito. É a pequenez do mercado. E se for para o plano da banca universal, então aí o poder necessita de grandes capitais e é tanto assim que, com as alterações que houve na estrutura accionista dos grandes bancos comerciais em Portugal, com excepção da Caixa Geral de Depósitos, nenhum ficou com o controlo em mãos nacionais.
A verdade é que o país não é pródigo em capitalização, criamos pouca riqueza e geralmente gastamos mais do aquela que produzimos. É essa a diferença face aos pequenos países do Norte da Europa, que geralmente são bem geridos.
Depois, Portugal tem hoje uma desvantagem fiscal e regulatória muito grande. Por exemplo, quando é feita a transposição de directivas, e falo só do sector bancário, são geralmente apimentadas porque é para os bancos, esse bando de malfeitores. E isto está em todo o espectro político. Mas não se lembram que esse acto torna as condições de concorrência das empresas sediadas em Portugal muito mais difíceis. E depois perguntam: por que é que alguns países, também pequenos, conseguem que as empresas cresçam e se tornem multinacionais? E por que é que em países como o nosso as poucas empresas vão desaparecendo?
Mata-se a galinha dos ovos de ouro?
Sim, e algumas morrem porque vão fazendo disparates. A verdade é que há quase uma hostilidade à criação de riqueza. E distribuir riqueza, sem a criar, resulta normalmente em dívida. Entristece-me que, passados 44 anos depois do 25 de Abril, ainda não tivéssemos encontrado o nosso destino de contas equilibradas, independentemente das ideologias. Já tivemos três resgates. É preciso mais bom senso comum. O crescimento das empresas é fundamental para criar riqueza.
Focando o olhar na banca. O sistema financeiro precisa de mais e melhor supervisão, ou apenas mais celeridade de actuação?
Desde 2008 houve actuações muito céleres, tendo os EUA sido o melhor exemplo. Institucionalizou o TARP [Troubled Asset Relief Program], que causou muitas fusões, provocou muitas falências, reduziu o número de bancos, mas em dois anos resolveu o problema. O programa foi tão bem desenhado que, ao fim desse período, resultou num ganho para o tesouro norte-americano.
Na Europa fomos mais vagarosos, embora no Centro da Europa tenham sido mais rápidos. Infelizmente no Sul, levámos mais tempo a reconhecer os nossos problemas, ao ponto de em Portugal não termos usado os 12 mil milhões da troika, o que prolongou a aplicação de soluções regulatórias, que, como deve imaginar, tudo isso teve um impacto devastador em termos de concorrência. Se a actuação tem sido rápida, algumas coisas tinham morrido, mas o que restava ficava mais sólido. Não houve uma grande consolidação na banca portuguesa, com excepção dos principais bancos de retalho, em que houve mudança de controlo accionista (casos do BCP, BPI e o BES, que desapareceu e deu lugar ao Novo Banco), excluindo a Caixa Geral de Depósitos, que é do Estado. Pelo contrário, em outros países do Sul da Europa houve maior celeridade e arrojo na actuação, como, por exemplo, em Espanha, onde dezenas de instituições desapareceram: umas foram compradas e outras morreram.
A Europa hoje já não tem assim tantos bancos grandes a nível mundial, porque também o aparelho regulatório europeu foi lento e continua a produzir uma quantidade de regulação que já nem é sequer inteligível, há quase uma estatização. E não há uma União Bancária: só há supervisão e resolução, não há a parte de garantia de depósitos, o que quer dizer que a quantidade de resoluções aprovadas veio criar um novo mundo, que só saberemos o impacto daqui a alguns anos. Mas com certeza que vai afastar capital dos bancos, pois é preciso uma grande dose de coragem para um investidor continuar a investir num sistema bancário super-regulado. Depois vai afastar os jovens desta actividade, que é cada vez mais chata e teledirigida, porque certos banqueiros durante alguns anos prestaram um mau serviço, com alguns casos de polícia. No entanto, duvido que colocar reguladores a gerir bancos dê melhor resultado.
A banca portuguesa ainda é atractiva para o investidor estrangeiro?
A banca em geral na Europa é muito pouco atractiva. Os investidores inteligentes não querem investir num sector onde o regulador quase se substitui ao legislador, onde existe uma teia complicada de leis, regulamentos e de controlo sobre a gestão e os accionistas. Isto vai resultar numa grande diminuição de bancos, o que parece ser a pretensão do regulador, para ter menos trabalho, mas a inovação tenderá a desaparecer e o terreno ficará livre para a oferta não regulada. Entre quem tem licença para ter depósitos e quem não a tem, vai haver um campo de crescimento muito grande para os serviços financeiros não regulados, evitando toda esta criação regulatória, que já dura há 10 anos e ainda está longe de parar.
Está a falar das fintech e das techfin?
Refiro-me às techfin. São as poderosas empresas tecnológicas que desenvolvem uma oferta de serviços de pagamentos e outras actividades de serviços financeiros que escapam completamente à regulação. Pode haver de vez em quando umas multas, mas a verdade é que essas empresas não estão presas em termos geográficos, nem estão sujeitas a nenhum ambiente regulatório.
São uma grande ameaça para a banca?
Sim, são uma grande ameaça, porque atacam algumas áreas do sector bancário geradoras de receitas, quando hoje o frenesim regulatório e uma quase estatização do sector financeiro fazem com que haja um aumento exponencial dos custos. Está a chegar-se a um ponto, onde os custos de ter a porta aberta são brutais, ao mesmo tempo que estão sobre ataque algumas áreas de receitas do sistema bancário através dos “big players”.
Qual é a diferença de custos, em média, de um banco de retalho tradicional para uma dessas novas empresas financeiras que estão a entrar no mercado?
Não lhe consigo dizer, mas, no caso de bancos especializados em investimento e poupança como nós, o aumento de custos é exponencial. Sendo certo que para alguns foram perdas brutais para os sistemas e para os contribuintes, e isso serve de justificativo para tudo. Para bancos como nós não, pois além do peso regulatório, há também o contributo para fazer face aos prejuízos verificados no sistema bancário e que suportaremos por muitos anos.
Voltando às tecnologias, como é que vê as fintech?
Já somos investidores de oito ou nove fintech. Ao longo dos últimos dois anos temos tido uma postura muito colaborativa com algumas dessas empresas, fizemos associações em que potenciámos o seu conhecimento financeiro e eles potenciaram os nossos conhecimentos de soluções tecnológicas, que acabam por criar produtos mais inovadores e de utilização mais simples para o cliente. Vemos tudo aquilo que são desenvolvimentos tecnológicos, ou ideias novas para servir melhor o cliente ou aumentar a oferta, como muito positivo.
O ADN do BIG sempre foi a inovação tecnológica. Que trunfos é que tem para os próximos tempos?
Não temos nada na manga. Temos é uma evolução onde hoje é mais escrutinada a transparência, a honestidade e a integridade da oferta.
Acredita num BIG 100% digital?
Tenho de acreditar e é desejável que assim seja, até para cotas como eu [solta uma gargalhada]. Temos de chegar lá.
O BIG está a crescer em Portugal, mas está a apostar forte na expansão inter-nacional. Como é que está a operação Moçambique?
Iniciámos actividade em Moçambique há dois anos, porque acreditamos que África vai ser absolutamente inquestionável, já que tem várias economias com um crescimento muito rápido. Moçambique oferece um controlo e legislação do sistema financeiro que garantem estabilidade e vai potenciar as oportunidades. Estamos focados na área de banca de investimento e mercado de capitais e somos já o maior operador de dívida pública.
Também está a olhar para Angola?
Angola já lá tinha os grandes bancos portugueses instalados e nunca achámos que fosse um mercado onde poderíamos ter grandes hipóteses.
A operação em Espanha é para arrancar ainda este Verão?
Não é possível cumprir todos os requisitos regulatórios e exigências de registos. Se conseguirmos abrir até ao final do ano será muito bom. Não é o BIG com todas as suas valências, mas estaremos na área de corretagem, gestão de património e de activos. Tenho muito respeito por Espanha e sei que é muito difícil ser-se um banco estrangeiro lá. Tal como em Moçambique vamos começar por uma fase de aprendizagem.
A expansão da actividade do BIG exige algum aumento de capital?
Neste momento dispomos de rácios de capital bastante confortáveis, por isso não necessitamos de reforçar capital. Mas se houver um caso de um investimento, em que seja necessário um investimento muito alto para o início de um negócio transformacional, não hesitaremos em fazê-lo.
Por que é que nunca dispersou o capital do BIG em Bolsa?
Porque a nossa Bolsa é muito pequena e a cotação fora do nosso mercado também não tem dado muito bom resultado. Além disso, o montante de regulação e os constrangimentos que isso implica, face aos benefícios potenciais, não compensa.
Entrevista publicada na Revista Risco n.º 9 de Verão de 2018.