E as moedas virtuais?
por Álvaro de Mendonça
Eclaro que um activo que se valoriza quase 100 vezes num ano dá nas vistas. Sobretudo se for um novo tipo de investimento, estiver associado a tecnologia de ponta e prometer um novo mundo. E é por isso que as moedas virtuais, sobretudo a pioneira Bitcoin, estão na mira da imprensa económica e de muitos investidores. Aqui na Risco, por exemplo, temos falado regularmente do tema e vamos continuar. Mas será a alta da Bitcoin mais uma bolha?
Valorizações estratosféricas sem suporte num valor real e material são, de facto, sintomas de existência de uma bolha. Mas sejam as moedas virtuais um novo e disruptivo sucedâneo do dinheiro convencional, ou um activo especulativo, a verdade é que os riscos que lhes estão associados têm feito soar as campainhas de alarme dos supervisores financeiros.
No início de Fevereiro, a Autoridade Bancária Europeia (EBA), a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) e a Autoridade Europeia dos Seguros e das Pensões Complementares de Reforma (EIOPA), num movimento que juntou os principais supervisores financeiros europeus, emitiram um novo alerta aos consumidores sobre os riscos das moedas virtuais e a volatilidade dos seus preços. Em Portugal, o alerta foi secundado pelo próprio Banco de Portugal.
«As moedas virtuais apresentam um elevado risco e não oferecem qualquer grau de protecção aos consumidores, pois não têm curso legal, não são garantidas por um banco central ou autoridade nacional, nem reguladas a nível europeu, e não estão cobertas por nenhum activo tangível», alertam os supervisores, adiantando que um dos riscos é a sua «volatilidade extrema ou risco de bolha de mercado».
O Banco de Portugal já fez vários alertas públicos sobre os riscos associados às moedas virtuais. Embora as operações com estas moedas não sejam ilegais ou proibidas, as entidades que emitem e comercializam moedas virtuais não estão sujeitas a qualquer obrigação de autorização ou de registo junto do Banco de Portugal, pelo que a sua actividade não é sujeita a qualquer tipo de supervisão prudencial ou comportamental.
O Banco de Portugal também já recomendou às instituições de crédito, de pagamento e às de moeda electrónica, sujeitas à sua supervisão, que se abstenham de comprar, deter ou vender moedas virtuais.
A actividade de emissão e de comercialização de moedas virtuais não é regulada, nem supervisionada pelo Banco de Portugal ou por qualquer outra autoridade do sistema financeiro, nacional ou europeia, nomeadamente pelo Banco Central Europeu.
A ausência de regulamentação sobre operações com moedas virtuais não torna estas actividades ilegais ou proibidas, mas as entidades que emitem e comercializam moedas virtuais não estão sujeitas a qualquer obrigação de autorização ou de registo junto do Banco de Portugal, pelo que a sua actividade não é sujeita a qualquer tipo de supervisão prudencial ou comportamental.
Também não existe qualquer protecção legal que garanta direitos de reembolso ao consumidor que utilize moedas virtuais para fazer pagamentos, ao contrário do que acontece com instrumentos de pagamento regulados.
SINAIS CLAROS DE BOLHA
Como os preços das moedas virtuais estão sujeitos a uma elevada volatilidade, «existindo sinais claros de bolha nos mercados das diferentes moedas virtuais (Bitcoin, Ripple, Ethereum, etc.), se os consumidores decidirem comprar produtos financeiros baseados nestas moedas, devem ter consciência de que podem perder uma grande quantidade, ou a totalidade, do dinheiro aplicado», segundo os supervisores.
As plataformas de troca e as carteiras de moedas virtuais (wallets) não são reguladas a nível europeu, não existindo por isso qualquer protecção para o investidor. «Se, por exemplo, uma plataforma de troca de moedas virtuais falir, encerrar actividade ou sofrer um ataque informático, a lei europeia não oferece qualquer protecção ou garantia aos consumidores que detenham moedas virtuais nessa plataforma », garantem as autoridades.
«Em caso de desvalorização parcial ou total das moedas virtuais, não existe um fundo que cubra eventuais perdas dos seus utilizadores, que terão de suportar todo o risco associado às operações com estes instrumentos.» Assim sendo, o investidor de moedas virtuais pode perder o seu dinheiro na plataforma de negociação.
Outro risco é o que os supervisores dizem ser «a ausência de opções de saída ». Quando o consumidor detém moedas virtuais arrisca-se a não conseguir transaccioná-las ou trocá-las por euros, durante períodos prolongados de tempo, o que pode implicar perdas.
A somar a isso tudo, as autoridades chamam ainda a atenção para a falta de transparência na fixação do preço. «Existe um risco bastante elevado de os consumidores não receberem o preço justo ou correcto quando compram ou vendem moedas virtuais.» Até porque algumas plataformas de troca de moedas virtuais têm vindo a sofrer problemas operacionais graves, com interrupção temporária das trocas. Durante esses momentos, os consumidores não conseguem comprar ou vender moedas virtuais quando tencionam fazê-lo, incorrendo em perdas resultantes das enormes flutuações nos preços.
INFORMAÇÃO «ENGANOSA»
Há ainda o problema da qualidade da informação disponibilizada aos consumidores, que as autoridades não hesitam em classificar de enganosa. «Quando existe, essa informação é muitas vezes incompleta, de difícil compreensão e não apresenta adequadamente os riscos das moedas virtuais.»
Por último, as moedas virtuais são inadequadas para a maioria dos objectivos, incluindo para planeamento da reforma. A elevada volatilidade dos preços, a incerteza em relação ao seu futuro e a falta de confiança nas plataformas de troca e nas carteiras de moedas virtuais, tornam-nas inadequadas para determinados fins, como sejam a aplicação de poupanças dos consumidores, designadamente no longo prazo, como é o caso do planeamento da reforma.
LAVADORAS DE DINHEIRO?
As transacções com moedas virtuais podem ser utilizadas, indevidamente, em actividades criminosas, incluindo branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
Devido aos riscos associados à utilização de moedas virtuais, o Banco de Portugal recomendou às instituições de crédito, de pagamento e às de moeda electrónica, que estão sujeitas à sua supervisão, que se abstenham de comprar, deter ou vender moedas virtuais, tal como consta da Carta Circular n.º 11/2015/DPG. Esta recomendação foi emitida na sequência de um pedido nesse sentido feito pela Autoridade Bancária Europeia às autoridades de supervisão nacional.
As instituições financeiras estão obrigadas a avaliar as transferências de fundos com origem e destino nas plataformas de negociação de moedas virtuais à luz das regras de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
Estas normas exigem que as instituições financeiras cumpram um conjunto de deveres como, por exemplo, a identificação e o conhecimento dos clientes, a conservação do suporte documental referente a clientes e operações, exame e a comunicação de operações suspeitas e a adopção e aplicação de sistemas de controlo interno adequados ao risco de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo intrínseco a cada instituição.
Artigo publicado na revista Risco n.º 8 de Primavera de 2018.