A Selecção e Nós
Paulo Carmona
Director da revista Executive Digest
Editorial publicado na edição de Junho de 2012 da revista Executive Digest
É curioso ver as semelhanças existentes entre a selecção de futebol e a sociedade portuguesa. É quase um espelho daquilo que somos e do que poderíamos ser.
O que leva um grupo constituído por alguns dos melhores jogadores do mundo a ter resultados sofríveis ou espectaculares quando tudo parece perdido, enquanto jogam pela selecção? Tal como os jogadores de futebol, os trabalhadores portugueses emigrados são estimados e reconhecidos um pouco por todo o mundo. Além de competentes e diligentes, existem vários que se afirmam como os melhores no seu campo de actuação. Então se os portugueses são bons e se destacam aquando no estrangeiro, o seu país de origem, onde existem mais portugueses, deveria ser um país próspero. Mas não é.
A selecção portuguesa, apesar do conjunto valioso de jogadores, tem sempre apuramentos à tangente para as fases finais; em Portugal com uma das melhores selecções de todos os tempos e frente ao seu público, não foi além de vitórias pela margem mínima (sendo a Rússia a excepção), ou no prolongamento e em penalties. Selecção essa que se deixa bater duas vezes por uma selecção pouco credenciada e “manhosa” como a grega. E vamos ao Euro 2012 porque a Dinamarca “se lembrou” de ganhar à Noruega. Como é possível?
Será que os jogadores, ou os portugueses, tão bons lá fora ficam indolentes na sua terra? Ou são os treinadores/gestores que são medíocres e não os sabem liderar?
Será que é mesmo um problema das elites portuguesas? Contudo já tivemos treinadores estrangeiros e, para lá dumas bandeiras nas janelas e rezas a Nossa Senhora de Caravaggio, também não ganhámos nada.
Será que é da estrutura organizativa/sistema político e social? De facto a desacreditada Federação Portuguesa de Futebol não tem tido um comportamento muito feliz com os treinadores, jogadores, prémios de jogo, disciplina, etc. (no entanto consegue ir para a Ucrânia, à tangente, gastar sete vezes mais que irá gastar a Espanha, campeã do mundo, por dia!) O nosso sistema económico e político não está muito melhor. Entre o Bloco Central e os interesses empresariais privados, está tudo tão encaixado que parece um jogo de Mikado, se mexer uma peça, mexem todas as outras.
E na Justiça já percebemos como se pode prescrever condenações, sabendo que facturas falsas ou Operação Furacão servem sobretudo para, por serem remíveis em multas, auxiliar o Orçamento Geral do Estado.
A maior parte das pessoas com que falamos perderam a esperança e dizem que sempre foi e sempre será assim, apenas variando na atribuição das culpas. Mas o que elas se esquecem é que esta crise é diferente das anteriores. É uma crise de descontinuidade, um terramoto que irá mudar para sempre o nosso tecido económico, e como tal uma oportunidade para uma reconstrução mais séria, mais europeia, mais internacional e com menos Estado e menos rendas aos privados.
Ninguém desejou o terramoto de 1755, mas sem ele a baixa pombalina não existia.