Ser bom e escasso

paulocarmona1Claro que temos em Portugal um problema de estatuto. O almejado título de “Dr.” ou “Eng.º” antes do nome, parecendo exigência para ser alguém, condena muitos às caixas de supermercado.

Existe uma história muito conhecida sobre uma entrevista a Robert Solow, prémio Nobel da Economia 1987. Nessa entrevista perguntaram ao economista se não considerava ultrajante que um basquetebolista como Michael Jordan, pessoa sem qualquer contributo intelectual para o bem-estar da Humanidade, ganhasse num dia o que ele não ganhava num ano. A questão era provocatória, mas Robert Solow aceitou responder muito honestamente, usando as suas próprias teorias sobre a escassez.

Como ele então referiu, economistas há muitos e professores de Economia também. Ele por ser prémio Nobel até ganhava um pouco mais que os outros, mas era um de muitos. Michael Jordan por seu lado era único. Tinha um dom que poucos tinham e por isso era um recurso escasso numa indústria com muito valor. Era perfeitamente justificável que tivesse um salário muito superior a ele, um de muitos e abundantes no mercado. O “valor de mercado” de um indivíduo não tem que ver com os seus estudos, descobertas, estatuto social, etc., tem que ver com ter um dom, um recurso escasso, ser muito bom num mercado com muita procura. E esta estória vem a propósito de quando um estudante de gestão se licenciava na década de 80 tinha à sua espera vários empregos onde se podia colocar. A entrada na União Europeia, a dinamização da Bolsa, a desnacionalização da economia e a correspondente explosão de serviços, tinham necessidade e procura de recursos técnicos de gestão, contabilidade, consultoria, auditoria, etc. Tirar então um curso superior era uma garantia de emprego.

Hoje a economia não cresce e a procura de recursos técnicos de gestão não é muito alta. E cada vez são licenciados mais jovens que todos os anos inundam o mercado de trabalho. Um recurso que era escasso tornou-se muito abundante, sem valor, excepto para aqueles que são reconhecidamente bons.

Contudo o mundo muda e nesta era de descontinuidade, com um passado e um presente que dão muito poucas pistas para um futuro incerto, há que estar muito atento a estes desequilíbrios de escassez. A migração interna com a miragem das cidades valorizará talvez os poucos que ficaram no campo. Um bom agricultor, com boas terras e especialmente em mercados de nicho como frutas e legumes, terá mais valor que mais um recém-licenciado em competição pelos poucos empregos restantes. Um bom canalizador, eletricista, mecânico, etc. tem mais a ganhar que um “Dr.” em qualquer área de difícil empregabilidade. O mercado ajusta-se sempre.

Claro que temos em Portugal um problema de estatuto. O almejado título de “Dr.” ou “Eng.º” antes do nome, parecendo uma exigência para ser alguém, condena muitos às caixas de supermercado. É paradoxal que a “geração dos 500 euros” de salário seja, num dos países mais pobres da Europa, a que tem os estudantes universitários mais motorizados, i.e. com automóvel próprio, dessa mesma Europa. Ninguém sabe bem o que nos espera. Teremos de escutar os sinais, ser flexíveis e adaptáveis. Para os nossos filhos as nossas verdades não serão as deles. A única que eles poderão usar é de serem bons naquilo que fizerem, e de preferência num sector com muita procura.

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