Os seguros vão ter este ano três impactos legislativos – Galamba de Oliveira

por Renato Santos

Aentrada de capital estrangeiro trouxe uma nova dinâmica ao sector e reforçou a solidez financeira das companhias, garante José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores.
«Vivemos numa economia global e a origem do capital não é importante», diz. Confessa que o ano de 2017 foi positivo em termos de resultados, apesar das perdas com os incêndios, um problema que leva a APS a colocar na agenda para 2018 a criação de um fundo de grandes catástrofes.
O sector segurador português é hoje controlado por estrangeiros, em particular chineses. Depois da Caixa Seguros, em 2014, seguiu-se no ano passado a Groupama e o Montepio Seguros. Que consequências para o consumidor em geral?
O sector de facto sofreu uma profunda alteração em consequência da crise económica, que impactou os bancos, que eram os principais accionistas de muitas das seguradoras. Face às próprias dificuldades, a banca foi obrigada a vender activos e, entre estes, foram seguradoras. Mas a entrada destes novos accionistas trouxe capital fresco ao sector, permitindo que as companhias passassem a cumprir os rácios impostos pelo regulador. Por outro lado, estes novos accionistas também reforçaram a capacidade de investimento e de inovação. Hoje vemos um sector mais dinâmico, com novas ofertas e muito mais agressivo. E isso são boas notícias para os consumidores.

Mas a realidade é que a maioria do capital está nas mãos de estrangeiros?
Sim, é verdade. Mas também é preciso dizer que a captação de capital estrangeiro foi uma realidade em muitos sectores da economia, porque o país precisa desses investimentos para manter a dinâmica económica. É verdade que entrou capital chinês para a maior seguradora portuguesa, a Caixa Seguros, mas depois disso entraram capitais de várias nacionalidades. Não temos de criar nenhum bicho-papão com o país de origem do capital. O capital estrangeiro faz falta e trouxe uma nova dinâmica ao sector.
Vivemos numa economia global e a origem do capital não é importante. O importante são os centros de decisão. A verdade é que, olhando para todas essas companhias, as lideranças mantiveram-se portuguesas e as suas matrizes continuam a ser nacionais. Isso é que é de louvar.

A entrada de novos capitais reforçou os níveis de solvabilidade financeira do sector?
Sim. Ainda recentemente entrou um novo regime de regulação, a Solvência II, que obrigou a regras mais exigentes – de solvabilidade, de capitalização e em termos comportamentais das seguradoras –, e desde a sua entrada em vigor, semestre após semestre, vemos uma melhoria contínua. Só significa que as companhias estão bem geridas, capitalizadas e mais sólidas.
Vivemos umas histórias tristes do lado da banca, mas o sector segurador manteve um comportamento muito louvável durante o período da crise. A verdade é que as seguradoras na sua génese gerem risco e têm-no gerido de uma forma muito conservadora e cumprindo a regulação. O sector está agora mais bem preparado para enfrentar eventuais futuras crises.

Há espaço para a entrada de novos operadores, ou manter-se-á a consolidação do mercado, com fusões e aquisições das companhias existentes?
Vamos ter ambas as situações. Há negócios que estão a decorrer, isso é público, e por isso a transferência de propriedade entre accionistas ainda não terminou. Há potencial de consolidação, o que é normal quando nos comparamos com outros mercados. Há sinergias que se podem conseguir pela concentração de seguradoras mais pequenas, até porque há exigências regulatórias muito grandes que se conseguem mitigar melhor quando há uma maior dimensão dos operadores. Também acho que essa consolidação será feita pela entrada de novos operadores no mercado, porque o mercado português continua a ser apetecível, exactamente pelo potencial de geração de valor através da consolidação.

O sector já tem praticamente fechadas as contas de 2017. Que balanço faz do ano?
Foi um bom ano para o sector. Primeiro, porque se confirmou o crescimento, que já vinha do ano anterior, no ramo Não Vida. Este está muito ligado à actividade económica, que teve um comportamento notável, e também se notou neste tipo de seguros [automóvel e acidentes de trabalho]. Em segundo, porque o ramo Vida regressou a terreno positivo, com o primeiro crescimento dos últimos três anos. Fechámos o ano com um crescimento de produção [vendas de seguros] na ordem dos 3%, depois de três anos muito difíceis. A perspectiva é a de que a tendência se possa manter este ano. Os primeiros números apontam um lucro de 350 milhões, num crescimento face aos anos anteriores. Este resultado está relacionado com o aumento da actividade nos ramos Vida e Não Vida, mas também com a ligeira baixa na sinistralidade em alguns ramos, o que beneficiou os resultados das companhias. É importante que as companhias voltem a resultados positivos, porque é o que permite captar investimento para novos produtos e tecnologias.

As seguradoras estão preparadas para enfrentar riscos como o terrorismo, cibercrime ou grandes catástrofes?
O sector está atento a estas tendências, em particular as relacionadas com as catástrofes naturais. Em 2017, as resseguradoras internacionais suportaram as maiores perdas de sempre com catástrofes. E fazendo fé nos estudos que vão sendo publicados, estas catástrofes são consequência das alterações climáticas. É realmente importante termos todos consciência, enquanto sociedade, que precisamos de fazer alguma coisa para minimizar as grandes catástrofes, como inundações, incêndios, tufões… Caso contrário, e se passarmos a ter uma maior frequência desse tipo de catástrofes, é normal que se reflita nos preços dos seguros.

As grandes resseguradoras já começaram a subir preços?
Não. As situações que tivemos em Portugal foram consideradas excepcionais e por isso não justificam uma alteração de preços por parte das resseguradoras. Obviamente, se continuarmos a ter este tipo de situações em 2018 e 2019, então teremos um problema.

E os fenómenos sísmicos?
Essas são catástrofes que não conseguimos prever. Os cientistas dizem que este ano é mais propenso a sismos, porque a rotação da Terra está ligeiramente mais lenta. Esta é uma preocupação e um risco para o sector, pois está coberto em muitas partes do mundo e em Portugal também.

A criação do Fundo de Grandes Catástrofes há muito que é reclamado pelo sector. Esta seria a solução para mitigar este tipo de riscos?
Sim, faz todo o sentido. Temos vindo a falar com as autoridades e com o regulador para a necessidade de se discutir a criação de um grande fundo para acudir a situações de gravidade extrema. Espanha, França, Alemanha, Noruega, são países onde este tipo de mecanismos já existe.
Dos contactos que temos tido, há agenda para se discutir o tema. Agora, obviamente que estes são temas complexos. O regulador também já manifestou publicamente interesse em que se discuta o tema e essa é uma das nossas linhas de actuação para este ano.

Um ano que vai ficar marcado por grandes alterações legislativas no sector segurador, como a nova directiva da distribuição de seguros O que é que esta nova legislação vai mudar nas seguradoras e que impacto terá para os consumidores?
Há três grandes impactos legislativos para o sector. No dia 1 de Janeiro, entraram em vigor os Produtos de Investimento de Retalho (PRIP), relativos a seguros de poupança e de vida, mas que ainda precisam de algum trabalho. Em Maio, vamos ter a Directiva de protecção de dados e depois teremos a Directiva de distribuição de seguros, que era para ter entrado em vigor em Fevereiro, mas que, por um atraso generalizado em vários países, foi adiada para Outubro. Esta última implicará uma maior profissionalização na venda de seguros. Será definido um conjunto de regras para quem vende seguros, sejam mediadores, o canal bancário ou canais das seguradoras, para que haja uma certificação de quem aconselha o consumidor. Vai haver formação obrigatória, novos requisitos em termos de responsabilidade, todo um conjunto de mecanismos que aumenta a consciência de que riscos é que estão cobertos aquando da subscrição pelo consumidor. Isto é bom para as seguradoras, porque um consumidor mais bem informado facilita a relação futura com a seguradora. Por exemplo, na resolução de sinistros tem consciência plena do que o seguro cobre.

O que é que muda com a nova legislação da protecção de dados?
Tem impacto para as companhias, porque há uma mudança de paradigma em relação à gestão das bases de dados. Passa a haver um conjunto mínimo de regras para regular toda a informação da base de dados e cada um dos operadores é que avalia se a está a cumprir, ou seja, coloca o ónus da responsabilidade do lado das companhias. Mas o sector de uma forma geral está preparado, até porque a confidencialidade de dados não é um tema novo para as seguradoras.
Outra das novidades é a portabilidade dos dados, que abre a possibilidade de a pessoa que forneceu os seus dados para fazer um seguro na companhia A, mais tarde, quando mudar para companhia B, não ser obrigada a dar de novo esses dados, pois essa responsabilidade de transmissão dos dados passa a ser da companhia A. Esta é uma área que ainda está a gerar discussão, e não só em Portugal, para saber concretamente como é que se implementa. Para as seguradoras há uma maior auto-regulação e para os consumidores existem mais ferramentas. Por exemplo, podem dizer à seguradora para esquecer os seus dados, ou mesmo limpá-los dos registos.

Inovação e tecnologia são dois grandes desafios para o sector. As companhias a operar em Portugal estão preparadas para responder aos novos desafios?
Sim e estão a dar resposta. Há vários operadores a oferecer produtos 100% digitais para comunicar com determinados segmentos de clientes que não gostam de papéis e estão muito habituados a dialogar por call centers ou videoconferência. Esse movimento de modernização está a acontecer, mas a ritmos diferentes, pois isso tem a ver com as estratégias comerciais de cada operador.

A Insurtech vai fazer nascer seguradoras 100% digitais. O sector está preparado para esta realidade?
Em Portugal, as Insurtech estão em alguns nichos de mercado da cadeia de valor do sector segurador, mas ainda não estão a fazer seguros. As companhas tradicionais têm estado atentas a isso e fazem acordos e parcerias para tentar integrar essa inovação nos seus modelos de negócio. O que é uma forma inteligente de trazer inovação para casa e também de dar escala e experiência às Insurtech. Existe tranquilidade e abertura para essa inovação.

As GAFAA (Google, Apple, Facebook, Amazon e Alibaba) são uma ameaça?
É uma realidade que estão a entrar em vários sectores, mas até agora não entraram nos seguros, porque é um mercado complexo e muito regulado. No curto prazo também não as vejo a entrar no mercado segurador português. Vejo-as mais facilmente na banca, em particular, nos pagamentos e depois noutros segmentos financeiros, muito antes de entrarem nos seguros. Mas temos de estar atentos.

O cibercrime está a crescer, com danos cada vez maiores para as empresas. O sector está preparado tecnologicamente para fazer face a esta realidade?
Este é um dos riscos mais problemáticos e diria, sem querer alarmar, poderá atingir níveis catastróficos. É um risco que o sector tem estado a trabalhar e quando olhamos para países como os EUA, por exemplo, vemos que estão muito avançados. Mas a Europa está atrasada. É uma realidade que temos de enfrentar. Até porque há que proteger a informação que temos, pois teremos um risco reputacional brutal no dia em que informações sobre as apólices aparecerem divulgadas num site. Mas esta ameaça é também uma oportunidade, porque se podem oferecer seguros para mitigar estes riscos, como perda de dados, proteger a reputação, perda de negócio ou de alguém ter invadido o sistema.

Já existem apólices com esse tipo de coberturas em Portugal?
Há ofertas em Portugal que cobrem alguns desses riscos, mas este é um tipo de seguro que até é oferecido com uma componente de serviço associado. Muitas ofertas são feitas em parceria com especialistas em cibercrime, que ajudam a montar esquemas de prevenção, junto de quem está a comprar o seguro. É uma oferta que está a ser vendida em Portugal junto de grandes empresas. Começa a ganhar dimensão na área empresarial, mas menos nos individuais.

Artigo publicado na revista Risco n.º 8 de Primavera de 2018.

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