Os NeoBancos vão ter uma quota de marcado significativa

por Renato Santos

O governador do Banco de Portugal já alertou que a banca precisa das Fintech para vencer as Techfin. Como gestor de uma tecnológica, como é que vê esta tendência em Portugal? O governador do Banco de Portugal tem razão. Já temos em Portugal a concorrência, por exemplo, de uma Fintech alemã, a N26, que se transformou num banco. É um banco 100% digital, alavancado em tecnologia e sem balcões. Na verdade, em Portugal, o risco de nascimento destas empresas só surgiu em Junho do ano passado. O click deu-se quando o Banco de Portugal permitiu a abertura de conta não presencial, ou seja, com recurso a meios digitais. E o aparecimento desta concorrência para os bancos tradicionais é um risco, no sentido de que os bancos não estavam preparados, apesar de já saberem que iria acontecer, pois trata-se da transposição de um directiva comunitária.

A tecnologia é a principal força das Fintech para oferecer serviços financeiros?
É, embora não se possa olhar para uma Fintech como um concorrente directo, porque elas não são um banco. Uma Fintech é uma empresa que nasceu com uma base tecnológica e que desenvolveu uma solução que responde a uma determinada necessidade financeira. A partir daí, para que se torne um banco é, hoje, um passo muito curto. Enquanto no passado era necessário desenvolver sistemas de informação, perceber claramente as regras de mercado, estar perfeitamente complience, hoje continua também a ser necessário, mas pode-se comprar tudo isso. A única barreira que pode existir são as questões regulamentares, embora também isso se possa diluir, pois já existem as regtech [empresas tecnológicas focadas apenas em questões de conformidade e regulação]. Este pode ser o único obstáculo que pode ajudar a dar ainda algum tempo aos bancos tradicionais para se posicionarem.

Como define exactamente um neobanco?
É um banco 100% digital, surge alavancado em tecnologia, por isso é muito eficiente (custos de estrutura reduzidos), aposta muito na inovação da oferta de serviços para se posicionar em determinados segmentos, o que cria disrupção no mercado.

Os neobancos vão concorrer directamente com os bancos tradicionais?
Será difícil, atendendo ao nosso contexto demográfico e socioeconómico. No entanto, é no segmento das novas gerações que eles vão ter sucesso. Estas são pessoas que já nasceram com a internet em todo o lado e têm necessidades diferentes das anteriores gerações. Por exemplo, muito provavelmente não vão querer um crédito habitação, porque a vida hoje é mais dinâmica e a mobilidade é cada vez maior.

Como é que os bancos tradicionais podem concorrer?
É usando as Fintech, especialistas em determinados serviços bancários, como alavancadoras desse posicionamento do mercado. No fundo, através das plataformas de gestão de API [Application Program Interface] é feita a integração dessas Fintech, e se estas tiverem sucesso mantêm- se no seu sistema de produtos e serviços financeiros, caso contrário, são retiradas e integram-se outras. É quase como a gestão de um lego tecnológico e permite-lhes assim concorrer com os neobancos.

Google, Facebook, Apple, Paypall, entre outros, são, de facto, uma ameaça para a banca convencional?
São, embora neste momento em Portugal ainda não o sejam. Mas não são só estes grandes players internacionais, que já hoje têm serviços de pagamentos, há outros operadores que também têm acesso a uma grande base de clientes. Nas telecomunicações, por exemplo, a Altice está a estudar há algum tempo um Telcobank e, no retalho, a cadeia de supermercados britânica Tesco já tem um banco, o Tesco Bank. Estamos a assistir a uma passagem para os serviços bancários integrados no que é o nosso dia- -a-dia. Se ainda fazer pagamentos ou transacções. O consumidor que trabalha com vários bancos tem a sua vida facilitada. Já os bancos tradicionais, se não se adaptarem, passam a ser meros repositórios de dinheiro. Estes deixam de ter acesso à vida financeira do cliente e perdem a capacidade que têm hoje de oferecer serviços financeiros direccionados e ajustados ao cliente. E numa fase extrema, o banco tradicional pode mesmo ter dificuldade em fazer a análise de risco do cliente. Trata-se da ameaça de perda de quota de mercado e de retirar dos bancos tradicionais a essência da informação bancária.

A banca do futuro será 100% digital?
Acho que não. Os bancos tradicionais não vão desaparecer, vão é ter de se adaptar (só para lhe dar um exemplo, a Caixa Geral de Depósitos está a estudar a digitalização da tradicional caderneta). E vão continuar a existir balcões, adaptados à nova realidade do mercado, talvez com uma componente self-service muito forte. Se calhar vão existir mesmo balcões 100% self-service, onde pode mesmo ser possível interagir com um call center ou com um “robot chat”, para tratar de produtos mais complexos.

Acredito que os neobancos, dentro de dois-três anos, vão ter uma quota de mercado muito significativa, em particular nos segmentos mais jovens. Vamos convergir da banca para os serviços bancários, nos telemóveis, nos supermercados, nos stands de automóvel, nos portais… Vão existir bancos tradicionais e neobancos, e desta concorrência, quem sabe, se um dia não vamos assistir à abertura de um balcão por parte de um neobanco.

Tem ideia de quantos neobancos já existem em Portugal? E qual a perspectiva até ao final do ano?
O Banco de Portugal tem uma lista com mais de 10 entidades que já têm licença para actuar no mercado. Além do N26, o Santander tem o Openbank, o Caixabank/ /BPI conta com o Imaginebank, depois há outros, como o BNI Europa. Destaco este último por ser um banco de direito português, com capitais angolanos, que é 100% digital e tem uma forte capacidade de inovação de oferta de serviços de produtos. Qualquer neobanco que receba licença para operar num outro país da União Europeia é quase um pró-forma a sua autorização para operar em Portugal.

Quanto é que a banca tradicional portuguesa será obrigada a investir nos próximos anos para não perder a corrida com os neobancos?
Os bancos tradicionais investem já anualmente muitas dezenas de milhões de euros só para manter e suportar os actuais sistemas de informação. E este esforço vai manter-se estável. E nos próximos anos, o maior investimento que os bancos tradicionais vão fazer será na transformação da área digital. Acredito que os maiores bancos nacionais podem gastar, cada um, entre 20 a 50 milhões de euros neste processo para reforçar a interacção com o cliente, aumentar a eficiência e a capacidade de oferta de produtos e serviços financeiros para conseguirem concorrer com os neobancos.

A relação de confiança com os clientes sempre foi um trunfo de ouro para a banca tradicional. Os neobancos e as fintechs oferecem essa confiança?
Ainda não oferecem e há algum receio. Mas temos exemplos, num passado muito recente, em que bancos tradicionais só não faliram porque o Estado os suportou ou ajudou. Se não fosse o Estado, hoje teríamos um panorama nacional mais reduzido, por exemplo, não havia Novo Banco, nem o Banif tinha sido absorvido pelo Santander, etc.

Agora, os clientes de depósitos feitos em neobancos, até 100 mil euros, também têm o dinheiro garantido pelo Fundo de Garantia de Depósito. A confiança nos neobancos é uma questão de tempo. A inovação na oferta de serviços, a facilidade de interacção e a oferta de comissões mais reduzidas também ajudarão os neobancos a conquistar essa confiança.

Como é que vê o aumento do cibercrime?
É uma ameaça tremenda. Há todos os dias milhões de tentativas de intrusão nos sistemas bancários. Esta é uma das grandes preocupações dos bancos tradicionais. E é óbvio que os bancos que nascem 100% digitais também as têm, apesar de usarem sistemas de informação muito mais recentes, resilientes e com todas as componentes de segurança. Por exemplo, têm os seus sistemas de informação alojados numa “cloud” e estas também têm os seus próprios sistemas de segurança.

Mas há sempre quem consiga penetrar.
É verdade. Esse é um risco tremendo e que vai aumentar. Acredito que haja “hackers” espalhados pelo mundo que estão à espera que os neobancos tenham um volume de transacções e de activos significativos para os atacar. Ainda há poucas semanas houve um roubo de criptomoedas e estas são criadas em sistemas que usam tecnologia considerada muito segura. Esta é uma ameaça que se vai potenciar no futuro e não só na banca, é transversal a todos os negócios. É necessário continuar a investir e não baixar a guarda, porque é um trabalho sem fim.

Artigo publicado na revista Risco n.º 8 de Primavera de 2018.

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