O mundo misterioso das criptomoedas
A Bitcoin é, sem dúvida, o mais famoso exemplo de uma criptomoeda. É também a que tem maior valor de mercado neste universo, relativamente novo, das moedas virtuais. Mas o que são e como funcionam estas novas espécies de dinheiro?
Por Álvaro de Mendonça
Não há a certeza absoluta de que a Bitcoin tenha sido de facto a primeira criptomoeda, mas a sua popularidade e o mistério que envolve a sua criação, em 2008, deram-lhe um protagonismo tal que, para muita gente, Bitcoin é sinónimo de moeda digital. Para quem não está por dentro destes assuntos, moeda virtual, moeda digital ou criptomoeda são a mesma coisa. Mas não são. E talvez convenha fazer aqui um parêntesis e começar por explicar as diferenças.
Uma moeda virtual é qualquer representação de um valor, criada, distribuída e controlada por quem a desenvolveu com um determinado fim e que é aceite como forma de pagamento pelos membros de uma comunidade específica. Não é emitida por um banco central ou qualquer autoridade pública, nem tem necessariamente uma relação com as moedas convencionais, embora possa, em alguns casos, ser trocada por dinheiro real.
Num certo sentido, as fichas que se usam nos casinos funcionam dentro desse espaço fechado como moeda virtual, tal como acontece com os cartões e as pulseiras de pagamento que se usam nalguns parques de atracções, como os da Disney. E é isto, a moeda virtual.
A moeda digital é uma categoria especial de moeda virtual, que se distingue por ter sido criada e poder ser armazenada online. É uma forma de dinheiro electrónico.
O exemplo mais corrente são as moedas usadas nos videogames, como World of Warcraft, Second Life ou Eve Online, que são criadas pelos editores do jogo e só existem e podem ser usadas dentro dele e que, por isso, só têm valor nesse mundo virtual. Muitos jogos trocam dinheiro real por virtual, para que os jogadores possam comprar itens, mais moedas virtuais, propriedades, armas e outros extras, para atingirem melhores resultados no jogo. E assim se estabelece uma relação directa, uma espécie de taxa de câmbio, entre as moedas digitais e o dinheiro físico e bem real que trazemos na carteira.
Todas a moeda digital é virtual, mas nem toda a moeda virtual é digital.
E há ainda as criptomoedas, um subgrupo das moedas digitais de emissão descentralizada, ou seja, que não são emitidas por uma entidade central, e que são criptografadas, um conceito complicado, que vamos explicar mais à frente. Toda a criptomoeda é moeda digital, mas nem toda a moeda digital é uma criptomoeda. Explicado o bê-á-bá, retenhamos que a Bitcoin, a tal estrela da companhia, é as três coisas: moeda virtual, digital e encriptada.
Persona não grata dos bancos centrais
A Bitcoin foi criada em 2008, por um misterioso japonês baptizado como Satoshi Nakamoto, nome por detrás do qual não se sabe ainda se é um único individuo (e quem?), ou um grupo de programadores. Um mistério que adensa ainda mais a mágica deste nome.
Por ser uma criptomoeda, a Bitcoin é uma moeda digital criada por códigos de computador e com transacções realizadas e segurança garantida por criptografia avançada (uma espécie de código secreto digital, que lhe dá o nome de criptomoeda), e que é mantida e validada por uma rede de utilizadores global.
Ao contrário de uma moeda convencional, a Bitcoin não é emitida, nem está relacionada, com qualquer banco central ou autoridade pública, daí se dizer que é um sistema de pagamento descentralizado.
Todos os participantes no sistema contribuem, com o registo das suas transacções, para fixarem o valor e o total de criptomoedas em circulação. É a isso que os especialistas chamam blockchain, uma espécie de cadeia de registos das transacções num banco de dados.
A segurança e a integridade dos registos no balanço de um sistema de criptomoeda são mantidos por uma comunidade de membros do público em geral, que usam os seus computadores para ajudar a validar e temporizar transacções, adicionando-as ao registo (blockchain), de acordo com um esquema definido. Estas pessoas que alimentam o sistema de registos e validam as transacções são chamadas mineradores.
A Bitcoin usa esse banco de dados distribuídos e espalhados pelos nós da rede peer-to-peer para registar as transacções, e usa a criptografia de código aberto para prover funções básicas de segurança, como certificar que Bitcoins só podem ser gastas pelo dono e evitar gastos duplos e falsificação.
Qualquer criptomoeda pode ser usada online, da mesma forma que o dinheiro físico, para pagar quase tudo, desde gadgets a viagens, com maior rapidez e conveniência, segurança e garantindo a total privacidade entre os dois intervenientes de cada transacção.
Esta última característica não é nada do agrado das autoridades que combatem o crime organizado, o financiamento do terrorismo e o branqueamento de capitais, uma vez que as transacções são anónimas e não permitem o controlo e o rastreio dos movimentos.
Os bancos centrais têm, na cada vez maior popularidade das criptomoedas, um enorme desafio, pois como elas escapam ao controlo oficial e podem funcionar como dinheiro a sério, dificultam a tarefa das autoridades de controlar o total de moeda em circulação, a inflação e as taxas de juro.
Devido ao número limitado de Bitcoins no mundo cibernético, há uma enorme procura por elas e até esta pressão estabilizar, o seu valor será um pouco volátil e sujeito a valorizações e depreciações repentinas. À medida que mais empresas e sites comecem a aceitar Bitcoins ou qualquer outra criptomoeda, o valor tenderá a normalizar. Até nlá, há quem aproveite essa volatilidade e a utilize como moeda de especulação para lucrar com a compra e venda de Bitcoins.
Mais valiosa que o ouro
Uma análise de efconsulting.pt refere que 2017 tem-se assumido como um dos anos mais intensos na história da Bitcoin, contando já com vários eventos potencialmente relevantes para o seu futuro: inicialmente o foco esteve nas questões de regulação na China, um mercado sempre muito relevante para a moeda; seguiu-se a proposta de criação do primeiro ETF associado à Bitcoin (um fundo indexado que replica a evolução de um determinado activo, permitindo aos investidores exporem-se à sua variação, sem o deterem directamente) – a proposta foi rejeitada, mas está nesta altura a ser reavaliada; mais recentemente, as atenções estiveram centradas no problema da escalabilidade (falta de capacidade da rede para suportar o aumento de tráfego), com a ameaça de divisão da Bitcoin em duas moedas diferentes – nesta altura ainda não foi encontrada uma solução definitiva para o problema.
Em termos de mercado, 2017 tem sido um ano igualmente agitado. À atenção dos principais meios de comunicação
social chegou inicialmente o facto de a Bitcoin ter ultrapassado a valorização do ouro e, mais recentemente, a quebra, pela primeira vez na história da marca, dos $2000. No final de Maio, a moeda negoceia em torno dos 2.250 dólares, acumulando assim uma valorização de aproximadamente 130% este ano e superando largamente o desempenho de todas as moedas convencionais, tal como já acontecera em 2016.
A maior cobertura por parte dos media tem contribuído para captar o interesse de novas audiências pela Bitcoin (e os recentes ataques de ransomware também ajudaram à promoção da moeda), o que faz com que, de certa forma, esta seja uma subida auto-sustentada. A verdade é que existe ainda muita falta de informação ou informação assimétrica, fazendo com que muitas decisões não sejam tomadas de forma racional. Este cenário levanta receios de que estejamos a assistir a uma “bolha” nos preços da Bitcoin, sendo essa, de resto, a questão que divide nesta altura a maior parte dos seus seguidores.
Os analistas apontam vários factores para justificar a recente valorização, sendo porventura o mais referido a recente decisão tomada pelo governo japonês, reconhecendo a Bitcoin como meio de pagamento legal (o que aumentou muito a sua procura). É certo que procurar explicações para um movimento desta dimensão é uma tarefa árdua, já que os preços se movem devido à actuação de milhares ou milhões de intervenientes, que tomam milhões de decisões individuais por razões distintas (muitas delas desconhecidas). Não obstante, é de certa forma consensual que uma maior regulação em torno da Bitcoin será um factor determinante para a sua utilização de forma massiva. Em todo o caso, será também difícil negar que a subida dos preços nos últimos meses tem sido conduzida em parte por interesse especulativo, com muitos novos participantes a investirem apenas pelo “medo de ficar de fora”.
Jordan Kelley, fundador da Robocoin, instalou o primeiro ATM de Bitcoins, em Au stin, no estado americano do Texas, em 20 de Fevereiro de 2014. Muito semelhante aos multibancos normais, possui scanners para ler documentos emitidos pelo governo, como cartas de condução, bilhetes de identidade e passaportes, para identificar os seus utilizadores
Artigo publicado na revista Risco n.º 5 de Julho/Agosto de 2017