O degelo da McDonald’s

Usar carne fresca – ou seja, nunca congelada – nos seus hambúrgueres quarter pound é apenas uma parte da enorme transformação por que a empresa está a passar graças às mudanças nos gostos dos consumidores e na concorrência. Mas é, definitivamente, a mais complicada

Por Jonathan Ringen, colaborador da Fast Company

Uma missiva enigmática saiu na Primavera passada para os 3,6 milhões de pessoas que seguem a McDonald’s no Twitter. Lia-se, simplesmente: “100% carne fresca + John Goodman = ASMR(ish)” e incluía um link para um vídeo. Num clipe, a estrela de “O grande Lebowski” olha para a câmara e sussurra uma ode carnal ao hambúrguer Quarter Pound. O anúncio foi um sucesso viral, com três milhões de visualizações e foi feito para anunciar a chegada de carne fresca e nunca congelada aos hambúrgueres Quarter Pound, uma mudança que os executivos consideram tão sísmica como o lançamento dos pequenos-almoços, em 2015, ou a janela do drive-through.

Carne fresca é apenas um elemento de uma enorme transformação em curso na McDonald’s. Steve Easterbrook – veterano na companhia – passou, em 2015, de Chief Brand Officer para CEO numa altura de crise. A cadeia sofria perdas há seis trimestres, com os resultados líquidos a descerem 15% face ao ano anterior. As vendas de milhares de milhões não começaram a recuar, mas, entre 2012 e 2016, a McDonald’s perdeu uns surpreendentes 500 milhões de transacções nos EUA, tanto para as suas concorrentes habituais como para uma nova vaga de restaurantes de comida rápida. «Perdemos uma importante ligação aos clientes», revela Steve Easterbrook, «por isso definimos um plano estratégico.»

As acções da McDonald’s subiram 60% desde que Steve chegou ao cargo, mas tem demonstrado descidas em 2018 enquanto o crescimento das vendas nas lojas norte-americanas desceu de 4,5% para 3%. Consumidores e investidores estão a exigir mais, por isso agora a empresa e os seus franqueados estão a embarcar no maior teste de inovação em anos, com o lançamento dos novos Quarter Pounders. Será que uma empresa conhecida pela sua previsibilidade consegue ter sucesso a vender um hambúrguer feito de carne fresca – com todos os riscos logísticos e relacionados com a segurança alimentar – com a escala, velocidade e preço esperados pelos seus clientes?

A responsável de menus Linda VanGosen, que se juntou à McDonald’s vinda da Starbucks, no ano passado, trabalha de perto com chefs e cientistas alimentares nos fornecedores da McDonald’s e mantém um olhar atento às tendências gastronómicas, as quais têm de manter um certo nível de apelo às massas para que faça sentido à McDonald’s. Ela e a sua equipa também fazem pesquisas etnográficas e embarcam naquilo a que Linda VanGosen se refere como “safaris gastronómicos”, comendo enquanto viajam pelos EUA.

A empresa recebeu feedback consistente de uma vasta gama de consumidores nos últimos anos de que o hambúrguer de carne de vaca, a base do negócio, estava abaixo do esperado. Mas descobrir o porquê da insatisfação dos clientes demorou o seu tempo. Por fim, a McDonald’s determinou que era demasiado seco e não chegava suficientemente quente, e os executivos perceberam que o culpado era o processo de congelamento rápido.

Descobriram que o hambúrguer em si não teria de mudar, apenas a forma como era tratado. Manter a carne fresca e cozinhá-la mediante cada pedido melhora a experiência. «O verdadeiro factor foi servi-lo acabadinho de sair da grelha», diz, acrescentando que os hambúrgueres que nunca são congelados demoram 60 a 80 segundos a cozinhar – cerca de um minuto mais rápido do que os congelados. A McDonald’s recusa-se a revelar os custos associados ao hambúrguer novo, para além de dizer que não é muito mais dispendioso de produzir face à versão congelada, e que os consumidores não verão um aumento nos preços.

Os testes aos Quarter Pounders com carne fresca começaram há cerca de dois anos em restaurantes de Tulsa, Oklahoma e Dallas, mercados escolhidos por serem locais onde os hambúrgueres são muito apreciados. A resposta foi conclusiva: mais de 90% dos clientes preferiram o hambúrguer novo. Foi também um êxito entre críticos.

A segurança alimentar, principalmente no rescaldo dos desastrosos casos de E. coli na Chipotle em 2015 e 2016, que prejudicaram o negócio e a sua marca, é claramente uma prioridade para a McDonald’s. Os fornecedores da empresa gastaram cerca de 50 milhões de euros a melhorar equipamentos e sistemas, incluindo tecnologia na refrigeração e embalamento. O principal equipamento que os franqueados tiveram de adquirir para a mudança para carne fresca foi um frigorífico com duas gavetas. O grupo de Christa Small, uma dos executivos de operações de topo da empresa e a pessoa cuja equipa foi responsável por criar os procedimentos que tornam possível o hambúrguer fresco, desenvolveu novos “pequenos acessórios”, incluindo tabuleiros e pinçass. Mais importante, trabalhou um programa obrigatório para os colaboradores aprenderem a manusear, cozinhar e servir hambúrgueres frescos.

Ao criar o novo Quarter Pounder, a McDonald’s fez alterações subtis na sandes, ajustando o tempo na grelha e o processo de torragem dos pães. Mas a maior mudança é o processo para o preparar: passou da preparação dos menus em fornadas para preparar o Quarter Pounder apenas quando é pedido, o que exigiu mudanças na cultura e formação em cozinha. «Eles precisam de um minuto para compreenderem que quero que reajam assim que o cliente faz o seu pedido», refere Christa Small em relação aos colaboradores.

Os novos hambúrgueres de carne de vaca têm um prazo de 14 dias desde que são feitos nos fornecedores até ao momento em que são servidos. Mas há muitos factores que podem fazer com que nem cheguem ao cliente. Os camiões frigoríficos, por exemplo, têm a temperatura constantemente monitorizada: se desce ou sobe um grau, toda a carga é rejeitada. Existe também, pela primeira vez, a questão do fornecimento. Afinal de contas, a carne de vaca é um produto sazonal, e mesmo que se seja o maior comprador do planeta, como é a McDonald’s, é preciso um plano para a chegada da época dos churrascos. «Estamos a concorrer com o retalho por carne fresca, e precisamos de ter acesso ao fornecimento de que necessitamos», explica Marion Gross, head da Cadeia de Abastecimento para os EUA. «Isto é novo para nós. Mas até agora está tudo a correr bem!» Para antecipar melhor as necessidades de todo o negócio, o grupo de Marion Gross está a fazer investimentos significativos na aprendizagem de computadores e na pesquisa de tecnologias emergentes como o blockchain. «Estamos a analisar a sério todo este tipo de coisa», explica, «para podermos gerir melhor os dados que temos.»

Um mês após o lançamento da carne fresca, há mais procura num McDonald’s de Upper West Side, em Manhattan. Alguns minutos a seguir ao pedido de um Quarter Pounder com queijo num quiosque com ecrã de toque, uma colaboradora traz o hamburguer para a mesa. As coisas têm estado mais movimentadas desde o lançamento? «Oh, sim», responde, voltando para o balcão.

Este artigo foi publicado na edição de Setembro de 2018 da Executive Digest.

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