Matérias primas – Como funcionam os mercados

por Paulo Carmona, economista

Os mercados de matérias-primas, muitas vezes esquecidos e incompreendidos, têm um funcionamento muito semelhante ao das acções ou obrigações. São também categorizados como mercados financeiros, mas têm um impacto bem maior sobre as nossas vidas. Podemos não estar sensibilizados, mas uma mudança de sentimento estrutural no mercado do gasóleo, da soja, ou do trigo pode ter efeitos prolongados no preço dos nossos bens alimentares ou de energia, e, por conseguinte, no nosso rendimento disponível.
Como todas as matérias-primas mais importantes são cotadas em dólares americanos (USD), o mercado cambial do euro contra o USD pode ter um efeito de agravamento ou de acomodação dessas mudanças de sentimento.
No caso dos combustíveis, e dada a cadeia de valor ser mais curta e de grandes volumes, qualquer variação do preço internacional do gasóleo tem efeito imediato em Portugal. Sendo que o custo do produto tem um impacto de 40% no preço interno, 60% são impostos, uma subida de 10% no mercado de futuros de Londres, por exemplo, tem um efeito imediato de 4 cêntimos no nosso preço final.
No caso da soja, principal fonte de proteínas para as rações de animais, e dado que um 1 kg de carne de frango resulta do consumo de 1,8 kg de ração e, nesta, a soja conta com quase 66% do produto, temos que uma subida na soja de 20%, como aconteceu recentemente, pode ter um efeito de subida de 13,2% no preço final do frango. Neste caso, como a cadeia de valor é longa e com muitos factores, por vezes estas variações não são directas, sendo absorvidas no seu interior por questões de mercado ou concorrência.
Todos os mercados mais importantes de matérias-primas funcionam como mercados de futuros e opções, excepção feita aos metais preciosos, que também têm mercados à vista com algum significado. Nestes mercados praticam-se as mesmas leis aplicáveis aos restantes mercados financeiros, sendo uma actividade regulada e transparente, embora recomendável apenas a investidores mais experientes, porque estes instrumentos são excepcionalmente alavancados.
Um contrato que me obriga a comprar ou a vender 1000 barris de petróleo para Outubro, a um valor de mercado de 47 mil dólares, por exemplo, só me exige um investimento inicial de 2 mil dólares. Vejam os ganhos e as perdas absolutas que tal investimento pode gerar…
De entre os factores que influenciam os preços nos mercados de matérias-primas, temos principalmente temas ligados à oferta e à procura, como a produção de barris, evolução das colheitas, níveis de armazenagem internacional, dimensão da procura, recessões, questões geopolíticas ou internas dos principais produtores, etc., e também temas ligados ao próprio mercado, como sentimentos ou expectativas do mercado, análise técnica, etc., tendo em atenção que cada cêntimo de flutuação tem bastantes ganhos e perdas para os principais operadores do mercado.
E são três os principais operadores:
(1) Os comerciais, ou seja, empresas envolvidas na produção ou na aquisição do produto; (2) os grandes especuladores, principalmente fundos especulativos ou de investimento; (3) e, por último, os pequenos especuladores, o “small fish”, os que têm de ser muito espertos para sobreviver.
Dos tempos em que os contratos eram trocados fisicamente em salas, para onde convergiam as ordens telefónicas de todo o mundo, tempos que alguns recordam com saudade, até ao dia de hoje, em que tudo é electrónico e impessoal, embora mais eficiente e rápido, foi uma longa evolução, com uma multiplicação de locais/Bolsas electrónicas pelo mundo. Mas, como em qualquer mercado, o que conta é a liquidez e os investidores procuram as Bolsas onde possam ter mais contrapartes para compra ou venda da sua posição. Apesar de tudo, Chicago (o original nos bens agrícolas), Nova Iorque e Londres continuam a ser as Bolsas mais importantes.
No caso do petróleo, o Brent negociado em Londres, a qualidade de produto do Mar do Norte, é o referencial para todo o mundo, à excepção do americano, que tem o seu próprio produto, o WTI, West Texas Intermediate, com negociação em Nova Iorque. Cada rama ou origem geográfica de petróleo é calculada com base num spread positivo ou negativo sobre o Brent, que também tem a sua própria variação.
Com a soja é idêntico, é sempre calculada sobre Chicago. Os próprios contratos de compra de soja referem muitas vezes apenas o spread, que neste caso se chamam bases, ficando os compradores físicos de ir à Bolsa de Chicago comprar contratos e entregá-los ao fornecedor. Neste caso o importador pode comprar os contratos em Bolsa, ou seja, fixar o preço, no momento exacto da venda ao seu cliente final, de forma a não correr riscos de flutuação de preços, o que nestes mercados de grandes quantidades e margens muito baixas, qualquer 1% de variação pode tornar qualquer negócio em perda.
Para os produtores é um instrumento muito importante, pois podem fazer a fixação do preço da sua produção (hedge), vendendo-a na Bolsa a prazo, ou mesmo escolher o produto que desejam semear, isto no caso dos bens agrícolas.
Em resumo, um mercado pouco conhecido e pouco divulgado, um mercado financeiro com alguma complexidade e exigências de conhecimento, que faz dele um quase exclusivo para investidores altamente especializados.

Artigo publicado na revista Risco n.º 6 de Outono de 2017.

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