Ideias soltas

Por Jorge Marrão, presidente da Associação Missão Crescimento

a) De bestial a besta

Um distinto professor de macroeconomia, de forma provocatória, e numa tertúlia à boa maneira portuguesa, fez a seguinte afirmação: “As empresas e a sua gestão tornam-se irrelevantes quando os países deixam de ser competitivos por terem desequilíbrios macroeconómicos”.

A pequena assistência dividida entre gestores, engenheiros, advogados e alguns economistas, desconfiou da afirmação e desatou num debate verbal aceso, ainda que civilizado, sobre tal asserção. Muitos recordaram os nomes de Jeff Bezos, Warren Buffet, Bill Gates, Steve Jobs, Jack Welch, Carlos Brito e tantos outros para explicar que faltavam provas científicas para confirmar tal declaração. Ou seja, os países é que tornam as suas empresas competitivas, e não o contrário.

À época, navegávamos a onda das taxas de juro baixas, a abertura dos mercados europeus, a construção dos centros de decisão e a normalidade de um pequeno país que tinha aderido com sucesso à CEE e, mais tarde, à União Monetária.

Os mais acérrimos opositores glosaram com a ideia que afinal, se tivéssemos incompetentes a gerir empresas, num país equilibrado em termos macroeconómicos, mesmo assim as suas empresas eram competitivas e saudáveis. Desgraçadamente, chega-nos a crise de 2008; e a especial crise de 2011 a Portugal, para melhor compreender o que nos foi dito.

Percebem melhor hoje os gestores que se não entenderem um mínimo de macroeconomia, podem enfrentar um “competidor inesperado que os tornará definitivamente, à luz da história, nuns incompetentes.

Os bancos, as construtoras, a distribuição, e quase toda a oferta empresarial centrada no mercado interno revelaram fragilidades que não foram antecipadas convenientemente. E aquelas empresas que lutavam para crescer no mundo, e que não eram sucedidos, passaram a ser o exemplo a seguir.

Segundo o mainstream cultural empresarial da época, não sabiam o que estavam a fazer, ou não estavam preparados. Há ventos que nos fazem passar de competentes e incompetentes e vice-versa.

O sucesso empresarial a longo prazo, se o medirmos em séculos, e não em décadas, é um saber e uma arte. Mais do que prever o futuro, o melhor é antecipá-lo com humildade, sabendo que os ventos nalgum momento não nos serão favoráveis.

b) Césares na gestão

Precisamos de líderes fortes, determinados e corajosos. Precisamos ainda mais de instituições que impeçam que um único indivíduo ou um pequeno grupo de indivíduos as destruam. Isto tanto é válido para os que tiveram a responsabilidade de decidir, como para os que têm a responsabilidade de escrutinar.

As instituições de escrutínio falharam tais como os as que estavam a ser escrutinadas. O que leva uma instituição a desaparecer? O Air Force One da Presidência americana simboliza a força de um único indivíduo na condução colectiva de uma sociedade. A actividade empresarial nos EUA, por sua vez, centra-se no papel omnipotente e omnisciente do seu CEO.

No american way of life qualquer um parece poder aspirar a esse status majestático. O papel do colectivo, das pessoas comuns e dos processos institucionais na tomada de decisão é relegado para um plano inferior.

Este endeusamento do indivíduo, que se traduz em the winner takes it all, tem de ser compensado nas organizações. A compensação por esta superioridade do indivíduo na decisão é fabricada pelo management: de forma cínica ou verdadeira, vê-se obrigado a dar também atenção à gestão do colectivo, das equipas, das pessoas e dos seus processos de trabalho.

Não admira que um falhanço no comportamento de um líder empresarial, banqueiro ou político se abata sobre a moral do colectivo. A crença num cesarismo empresarial foi o pecado original vivido por todos. A história precisa de heróis, mas regista os seus vilões.

Perante o embuste sofrido, a sociedade não desarma: inicia uma perseguição inquisitorial à pessoa que falhou. E para não nos vermos ao espelho, escondemo-nos atrás dos argumentos de um tribunal mediático que se forma, mas que, pela sua natureza populista, não tem regras processuais claras. Limpa no entanto a alma de cada um de nós; de todos aqueles que, por acto ou omissão, acreditaram na superioridade de um único homem.

Nasce o processo de rejeição das amizades e das cumplicidades antigas. Cada um de nós pode renascer para uma nova vida, agora livres do culpado César de outrora. O exílio e a sanção social resgata o ego das instituições e das pessoas anónimas.

O estranho é passarmos depois a endeusar os inquisidores, cometendo o mesmo erro de análise e perspectiva: que estes por si só têm toda a presciência do mundo.

As novas moralidades populistas, que trazem sempre consigo novas inquisições, e que enchem hoje a capa dos jornais e os debates políticos, são caminhos perigosos e sem retorno.

Atrás dos novos deuses que se propõem limpar a sociedade dos seus males, podem estar novos pecadores que mais tarde descobriremos. Uma parte do segredo passará talvez por termos uma governação institucional que torne as pessoas independentes nas instituições para dizer que o rei vai nu, por mais iluminada que nos possa parecer a liderança de um ou de poucos.

Este artigo foi publicado na edição de Março da revista Executive Digest.

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