Estarão as empresas portuguesas preparadas para a próxima crise financeira?
Por Daniel Neves
AXESOR RATING
É notório o bom momento pelo qual passa a economia portuguesa. Apesar destes bons resultados, encontrar se-ão assegurados os pressupostos que permitem perspectivar um futuro mais tranquilo para o financiamento das empresas? Estarão elas preparadas para a próxima crise financeira, principalmente no que se refere à sua capacidade de assegurar financiamento em condições competitivas para o desenvolvimento dos seus projectos?
Em 2017, o crescimento do PIB alcançou 2,7%, um dos valores mais altos das últimas décadas, a balança comercial foi positiva pelo quinto ano consecutivo, na ordem dos 3,5 mil milhões de euros, e a dívida pública cifrou-se em cerca de 126% do PIB, um valor elevado, mas que inicia uma trajectória de descida. O crescimento do PIB foi, no ano passado, superior aos 2,6% previstos pelo FMI e outros organismos internacionais. O PIB vem aumentando consistentemente desde 2012, muito por influência dos crescimentos verificados nos países da Zona Euro, contribuindo para o bom desempenho da Balança Comercial e para a redução da taxa de desemprego.
A Balança Comercial registou um excedente de 3,5 mil milhões de euros, em 2017, resultado de 84,3 mil milhões de exportações e 80,8 mil milhões de importações.
São bons indicadores para a economia e para as empresas, embora se tenha verificado uma inversão da melhoria anual deste indicador. Quando comparado com 2016, o saldo da Balança Comercial reduziu-se em 305 milhões, o que se verificou pela primeira vez nos últimos cinco anos. Para a boa performance da economia portuguesa muito contribui o excelente comportamento do sector do turismo, atraindo não só consumidores de outros países, como investidores internacionais em larga escala, particularmente no sector imobiliário.
Em 2017, as exportações imputáveis ao turismo atingiram 15,1 mil milhões de euros, de acordo com dados do INE, um valor quatro vezes superior ao verificado dez anos antes.
O turismo vem sendo o grande motor da economia, mas a sua margem de contribuição para o crescimento da economia é limitada, uma vez que o seu peso no total da economia é já o segundo maior entre os países da União Europeia. Ainda de acordo com dados do INE, o peso do sector do turismo na economia é de cerca de 12,5%, apenas atrás de Malta, onde aquele indicador se cifra em cerca de 17,4%.
Boas perspectivas do mercado financeiro
Ao nível das Finanças Públicas a evolução também vem sendo positiva. A conjugação, por um lado, do acréscimo de receitas fiscais decorrente do crescimento económico e, por outro, da contenção dos gastos públicos, vem permitindo ao actual governo sinalizar aos agentes económicos que é possível controlar o défice e diminuir a dívida, sem se recorrer aos planos de austeridade do passado.
Após 25 anos de défices acumulados, os défices orçamentais vêm progressivamente a diminuir nos últimos anos, prevendo o ministro das Finanças um excedente em 2020, um ano antes do antecipado pela Troika. Consequentemente, a dívida pública atingiu 126% do PIB em 2017, o valor mais baixo desde 2012. Apesar de Portugal registar ainda um dos maiores endividamentos entre os países da Zona Euro, os investidores internacionais parecem acreditar na sua sustentabilidade a médio e longo prazo.
Resumidamente, os dados económicos indiciam uma economia portuguesa mais saudável e que a crise da dívida pública está controlada, mas terão as reformas estruturais efectivamente sido realizadas? Ou estamos, mais uma vez, a viver uma bolha de optimismo económico externo conjuntural? E neste segundo caso, estarão a economia e os empresários melhor preparados para a próxima crise financeira?
Reformas estruturais lentas
Um dos grandes contributos para a redução do défice é, sem dúvida, a diminuição dos custos com a dívida pública, para a qual muito contribuiu o upgrade das principais agências de rating, que retiraram a dívida pública portuguesa do lixo, no último trimestre do ano passado.
Foi com base nestas perspectivas, embora apenas concretizadas no final de 2017, que o Estado poupou cerca de 300 milhões de euros em juros da dívida pública, entre 2016 e 2017, de acordo com os dados do Ministério das Finanças.
Acontece que a diminuição dos custos da dívida pública dificilmente se prolongará e poderá mesmo assistir-se a uma inversão do ciclo no curto/médio prazo.
Em primeiro lugar, porque a redução do spread já incorporou as expectativas de melhoria do rating; a yield da dívida pública portuguesa a 10 anos encontra-se actualmente nos 1,6%, cerca de 1,1% acima das obrigações alemãs, quando há cerca de um ano esse spread era de cerca de 2,6%.
Em segundo lugar, por ser expectável que o Banco Central Europeu (BCE) venha a inverter a política de taxas de juro historicamente baixas, à medida que as pressões inflacionistas se façam notar em alguns países da Zona Euro. Apesar da redução do stock de dívida pública, não é crível que seja suficiente para compensar o expectável aumento decorrente dos factores referidos.
Outra contribuição importante para a redução do défice foi o aumento das contribuições para a Segurança Social e encargos com o desemprego, ambos os factores directamente ligados à melhoria do ambiente económico e das perspectivas de evolução futuras.
No entanto, uma análise mais profunda revela que as reformas estruturais vêm sendo implementadas de forma lenta, ou não vêm sendo implementadas de todo, o que eleva os receios quanto à robustez estrutural da economia.
Uma das consequências da crise e posterior intervenção da Troika foi uma profunda reestruturação do sector bancário
português. No final da década de 2000, o sector bancário era maioritariamente dominado por capitais de origem nacional, que controlavam quatro dos cinco maiores bancos, sendo que, desses, apenas a Caixa Geral de Depósitos se mantém controlada por capitais portugueses. Apesar de competitivo e dinâmico, é bem provável que estas alterações venham a ter um grande impacto na forma como os bancos se vão relacionar com as empresas portuguesas na próxima crise financeira, designadamente em termos das políticas de concessão de crédito.
Em termos comparativos, Portugal mantém um dos maiores rácios de dívida bancária vencida dos países da Zona Euro, embora se tenha reduzido de 17,7% no último trimestre de 2016 para 14,6% no mesmo período do ano transacto, de acordo com dados do Banco de Portugal.
Casos como o do Novo Banco, que registou prejuízos de 1,4 mil milhões de euros em 2017, levam os analistas a questionar se o ajustamento do sector bancário está mesmo concretizado e a considerar plausível a necessidade de futuras intervenções. Ora, caso venham a ser necessárias futuras injecções de capital nos bancos, virão, ou dos contribuintes (pouco plausível), ou do Estado, e neste último caso com consequências ao nível do agravamento do défice e da dívida pública. Todas estas incertezas adensam os riscos de financiamento para as empresas e as condições em que conseguem obtê-los.
Impactos e desafios para as empresas
Como sabemos, as condições disponíveis para financiamento das empresas são muito influenciadas pelo contexto do país em que se inserem e Portugal é um bom exemplo de como o rating soberano afecta essas condições. Durante a intervenção da Troika e já depois disso, assistimos a uma retracção muito significativa do financiamento bancário, o que,
conjugado com a elevada dependência das empresas desse mesmo tipo de financiamento, condicionou a actividade de muitas delas, levando em muitos casos mesmo à sua falência.
A dificuldade de acederem a financiamento não é exclusiva das empresas portuguesas, existindo formas alternativas a este tipo de financiamento, como, por exemplo, a emissão de empréstimos obrigacionistas. No nosso país, a grande maioria de emissões obrigacionistas está reservada a empresas de grande dimensão, sendo de difícil acesso às Pequenas e Médias Empresas (PME), que constituem a maioria das empresas do nosso tecido empresarial.
Mais comum em países de origem anglo-saxónica, nos EUA e no Reino Unido representam mais de três quartos do financiamento às empresas, a emissão de dívida obrigacionista tem benefícios importantes. O acesso a um maior leque de investidores e a previsibilidade dos custos da dívida são importantes factores que criam valor nas empresas no médio/longo prazo.
Em Espanha assistimos ao desenvolvimento do MARF – Mercado Alternativo de Renda Fixa, da bolsa de Madrid. Trata-se de um mercado destinado a emissões de obrigações de média dimensão e que constitui uma opção válida para ser explorada por empresas portuguesas.
Sem dúvida que Portugal vive um bom momento económico, motivado pela conjuntura externa, mas também pelas acções do governo, que vem conseguindo manter as despesas controladas. Ao nível dos mercados financeiros a inversão da política de juros historicamente baixos por parte do BCE porá em risco o financiamento das empresas, tanto no que concerne ao custo de financiamento, como à capacidade de aceder a essas fontes de financiamento.
Ora serão precisamente as empresas com capacidade de antecipar essas alterações que melhor estarão preparadas, em termos comparativos, para quando essa mudança ocorrer, devendo equacionar fontes alternativas ao tradicional financiamento bancário. As empresas que forem capazes de diversificar as fontes de financiamento serão, portanto, aquelas com maior probabilidade de sucesso.
Artigo publicado na edição n.º 9, edição de Verão, da revista Risco.