Encaixando o Futuro

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Paulo Carmona

Director da revista Executive Digest

Editorial publicado na edição de Dezembro de 2012 da revista Executive Digest

Vítor Gaspar está imbuído dum espírito de missão de salvador da Pátria. Acredita que, para nos salvarmos da bancarrota e da fome, miséria e revolta social, só nos resta ir cumprindo o Memorando.

Vítor Gaspar está imbuído dum espirito de missão de salvador da Pátria. Acredita que, para nos salvarmos da bancarrota e da fome, miséria e revolta social, só nos resta ir cumprindo o Memorando. Assim os credores continuem a passar-nos o cheque para pagarmos o Estado que temos e com a imagem de esforçados talvez nos melhorem as condições dos empréstimos.

Talvez tenha razão e teve a coragem de aceitar um lugar de que não necessita e que poucos aceitariam, mas o seu isolamento trágico no Terreiro do Paço tem visto alguma da sua competência e dos seus modelos macros não aguentarem o embate da realidade, o que lhe recomendaria alguma moderação.

Contudo, o nosso ministro das Finanças é um homem acossado pela tesouraria. Pelo medo de não ter fundos na semana que vem para honrar os seus compromissos. Essa visão de curto prazo tem-se sobreposto a todas as outras. O que é grave pois estamos a hipotecar o futuro e não há ninguém que, nesse aspecto, o acalme. Por exemplo, nas privatizações parece mais reocupado com o encaixe financeiro imediato, mesmo que estas possam condenar os portugueses a pagar mais taxas ou rendas futuras com impacto directo no seu custo de vida.

No caso da EDP, ao vender as suas acções antes de rever os CMEC, ou eventuais rendas excessivas, contra a opinião do seu Secretário de Estado da Energia, fez com que a sua reforma posterior se tornasse mais difícil, pois pode ser justamente acusado de enganar uns compradores que não convém enganar.

No caso da ANA, cujos lucros nos põe legitimamente a pensar se as taxas de aeroporto não estarão demasiado elevadas e se não poderemos chamar a isso uma taxa indirecta, pior que um monopólio público é um monopólio privado. Ao vender em bloco todos os aeroportos maximizamos muito a receita, mas estamos condenados a que um privado nos imponha uma “taxa”, sem alternativa nem concorrência. Enquanto Londres obriga a separar a propriedade dos seus aeroportos, nós concentramos todos nas mãos de um único operador privado. Pelos vistos nem lá a regulação funciona, aqui vamos esperar que funcione…

E no caso da RTP, parece que o modelo de privatização deseja maximizar o preço descontando hoje as taxas de radiodifusão que são, e serão, impostas a todos os portugueses em nome de um serviço público. O Estado desejará receber já hoje do privado aquilo que ele irá cobrar no futuro. Claro que ninguém ainda explicou o que é isso do serviço público, de que meios necessita, quanto custa e se pode ser concessionado a privados. É algo místico ao alcance da compreensão de poucos e ao pagamento de todos. São perto de 150 milhões de euros por ano que nos são retirados quase sem darmos por isso e que tanta falta nos fazem.

Sendo a RTP pública, essa cobrança já é discutível, mas privatizar a cobrança dessa taxa dará bom encaixe no curto prazo embora impossibilite o seu fim sem violência jurídica ou grande indeminização contratual, a custo de todos nós.

Faz sentido hipotecar o interesse futuro dos consumidores a esta lógica voraz de curto prazo? Compreendemos que estamos numa situação de emergência e o desespero de salvarmos o país é prioritário, mas se tudo sujeitarmos à maximização da receita de curto prazo com que país ficaremos depois de o salvarmos? Haja alguém que pense o país a prazo. Não é incompatível com o esforço que todos temos de fazer.

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