Das tulipas ao subprime

Bolha dos bolbos de tulipa
É considerada a primeira grande bolha especulativa a nível mundial. Aconteceu no século XVII, concretamente entre 1620 e 1637, numa altura em que a Companhia Holandesa das Índias Orientais tinha o monopólio do comércio de flores exóticas. Os bolbos de tulipa, que ainda hoje são um dos símbolos da Holanda, foram a origem da cobiça e da especulação dos comerciantes, que se aproveitaram da raridade e do estatuto social que a planta ganhou, sobretudo junto da alta sociedade, para realizar lucros exorbitantes.

Em 1623, um bolbo de tulipa rara podia custar 1.000 florins e, segundo relatos da época, um bom negociador chegava a lucrar seis mil florins por mês, quando em média um trabalhador ganha por ano cerca de 150 florins.

A tulipomania fez com que muitos holandeses trocassem as terras ou as casas para entrarem no louco negócio milagroso que era feito nas bolsas de valores de muitas cidades da Holanda. Se, numa primeira fase, as transacções eram feitas uma vez por ano (os bolbos florescem apenas durante uma semana nos meses de Maio e Abril, ficando os bolbos disponíveis para negociar entre Junho e Setembro para serem plantados nos meses de Outubro a Dezembro), depois foram criados contratos de futuros que permitiram a negociação durante todo o ano. Ao assinar um contrato, o comprador assumia o dever de comprar determinada tulipa no final do contrato. Este instrumento financeiro escancarou ainda mais a porta aos especuladores, que ampliaram a resposta à onda desenfreada de compradores. A febre subiu ano após ano e, em 1636, o famoso bolbo Semper Augustus tornou-se na tulipa mais cara do mundo ao ser negociado a 6.000 florins. A tulipomania contagiou ainda as bolsas de Paris e Londres, embora nunca tivessem chegado ao nível das bolsas holandesas, onde a bolha especulativa rebentou entre 1636/7. Bastou um comprador não honrar o seu contrato para que se gerasse o pânico e em poucos dias o preço dos bolbos caiu mais de 90%. Face a esses preços, muitos outros compradores também não cumpriram os respectivos contratos, o que levou a uma onda de falências de investidores e por arrasto também bancos de crédito. E nem mesmo a intervenção do Estado salvou o colapso financeiro, que culminou com uma depressão económica que durou vários anos.

Bolha dos Mares do Sul apanhou Isaac Newton
No início do século XVIII, a Inglaterra vivia o período pós-guerra e debatia-se com uma elevada dívida pública, mais de 10 milhões de libras, devido aos custos militares. A solução encontrada foi a Companhia dos Mares do Sul. Esta empresa, criada em 1711, assumiu a dívida pública e em troca o Estado pagava um juro anual e ainda lhe concedeu o monopólio comercial com as colónias espanholas da América do Sul. Para financiar as actividades foram feitas várias emissões de acções, com um sucesso sempre cada vez maior. Os investidores acreditavam na obtenção de ganhos extraordinários, que seriam conseguidos com a venda de bens essenciais junto dos povos sul-americanos, em troca de ouro e jóias. Instalou-se mesmo a moda de ter acções da Companhia dos Mares do Sul, até porque muitos políticos, nobres britânicos e a própria coroa tinham-se tornado accionistas. O preço das acções disparou ao longo dos anos e os ganhos realizados permitiram a muitos investidores tornarem-se aristocratas do dia para a noite. O cientista Isaac Newton tinha acções e, face à especulação desenfreada, decidiu a certa altura vender antes que a bolha rebentasse, tendo ganho cerca de sete mil libras. Porém, a avidez pelo lucro e a subida imparável da cotação levaram-no a reinvestir novamente em força. A euforia atingiu o pico a meio do ano de 1720, com cada acção a valer 1.000 libras. Nessa altura, os investidores começaram a aperceber-se que a equipa de gestão já tinha liquidado as suas posições por não acreditar na actividade da empresa. O preço das acções começou então a cair de forma vertiginosa e, seis meses depois, cada título já só valia 100 libras. A bolha especulativa tinha rebentado e a onda de perdas invadiu o bolso da maioria dos investidores. Por exemplo, Isaac Newton perdeu 20 mil libras, segundo os relatos da altura. Já o impacto na economia britânica durou quase um século. Como consequência, o governo britânico aprovou a lei Bubble Act, que proibiu a constituição de sociedades anónimas baseadas em acções. Esta lei vigorou até 1825.

A Grande Depressão
O maior crash da história de Wall Street, em 1929, foi antecedido por uma onda especulativa que levou milhares de pessoas a endividarem-se para investir em acções, dando como garantia a casa ou as poupanças de uma vida. As empresas viviam um momento áureo, tal como a economia norte-americana, fruto da grande industrialização e das novas tecnologias, uma pujança ganha com a produção e exportação durante e após a I Grande Guerra. Entre 1921 e 1929, a Bolsa de Nova Iorque fazia milionários quase de forma instantânea, o que levou o investimento em acções a ser um passatempo preferido de muitos norte-americanos. A euforia e a especulação eram tais que, em 1929, a Reserva Federal dos EUA subiu a taxa de juro várias vezes para arrefecer o mercado accionista. Até que, a 24 de Outubro de 1929, que ficou conhecida como a quinta-feira negra, a bolha especulativa do mercado accionista rebentou. Nos dias seguintes, o pânico e o desespero apoderaram-se dos investidores que, por não conseguirem vender as suas acções, viram as suas fortunas começar a desaparecer. Em apenas três dias, Wall Street perdeu cinco mil milhões do seu valor e no final desse ano o mercado accionista valia menos de 16 mil milhões de dólares (só 26 anos depois é que o índice Dow Jones recuperou o valor máximo alcançado nessa altura). Muitos investidores perderam tudo, assistiu-se a muitos suicídios e a onda de falências atingiu em força as empresas e o sistema financeiro, calculando-se que cerca de um terço dos norte-americanos ficou no limiar da pobreza. A economia norte-americana mergulhou na Grande Depressão durante 12 anos e arrastou consigo quase todos os países ocidentais industrializados.

O Crash
A 6 de Outubro de 1987, depois de uma década de forte crescimento pós-crises petrolíferas (1974 e 1979), com as Bolsas sobreaquecidas nos EUA e na Europa, Wall Street sofre a maior queda diária desde 1929. O contágio à Europa foi imediato e o pânico instalou-se.

Com a certeza de que algumas acções tinham atingido em Bolsa um valor que nada tinha a ver com a realidade, biliões de dólares, de libras, de francos, de marcos e de outras moedas, um pouco por todo o mundo, esfumaram-se em três dias, deitando por terra os sonhos de milhões de pequenos investidores, que acreditaram no então muito em voga capitalismo popular e que correram à compra de acções de empresas privadas ou privatizadas pelo Estado.

Na chamada segunda-feira negra, 19 de Outubro, o índice Dow Jones, da Bolsa de Nova Iorque, na Wall Street, registou uma desvalorização de 22,6% num só dia, a sua maior queda de sempre. Em quatro dias a desvalorização de Wall Street fez desaparecer quatro biliões de dólares. No final de Outubro, as bolsas mundiais somavam perdas entre 22% e 45%.
Ainda hoje não existe consenso sobre a verdadeira razão para a queda dos mercados na altura, mas existem várias explicações: a política económica do presidente Ronald Reagan, o défice na balança comercial dos EUA, os preços das acções estavam inflacionados e as tensões geopolíticas em relação ao petróleo.

Em Portugal, a 13 de Outubro, o então primeiro-ministro Cavaco Silva, professor de Economia e ex-ministro das Finanças, alertava para a bolha especulativa em que se vivia na bolsa portuguesa, chamando a atenção aos pequenos investidores que poderiam estar a comprar “gato por lebre”. A verdade é que, no último ano, se assistira a um boom de Ofertas Públicas de Venda no mercado português, as cotações não tinham nada a ver com a situação real das empresas, havia excesso de liquidez (assistiu-se à democratização do crédito por parte da banca) e a bolsa passou a ser tão popular, que obter lucro através de transacções era fácil e acessível a qualquer pessoa. As palavras de Cavaco caíram como uma bomba no mercado de capitais e no dia seguinte a bolsa caiu 4%.

Bolha das dotcom
A popularidade da internet e o nascimento de muitas empresas com elevado potencial e promessa de lucros fabulosos no futuro levou muitos investidores a entrarem na louca corrida especulativa da compra de acções das chamadas empresas dotcom. Muitas das avaliações feitas a este tipo de empresas descartava os métodos tradicionais. Entre os finais da década 90 até ao ano 2000, assistiu-se a uma febre desenfreada com os índices das bolsas dos países industrializados a registarem máximos consecutivos, como consequência da valorização exponencial dos preços das acções dessas empresas. A norte-americana Nasdaq era o farol dos mercados mundiais e nem mesmo o alerta feito, em 1996, pelo presidente da Reserva Federal, Alan Greenspan, para a existência de uma “exuberância irracional” neste tipo de activos, levou os investidores a terem cautela. A corrida louca durou até ao início de Março do ano 2000, quando o índice tecnológico já tinha duplicado o seu valor face aos 12 meses anteriores. A 11 de Março e dias seguintes assistiu-se à venda massiva de acções de algumas tecnológicas, o que levou o Nasdaq a desvalorizar 9% em apenas seis dias. A partir daí os grandes investidores institucionais começaram a reduzir a exposição e dez meses depois a queda do Nasdaq era já de 56%. Em 2001, muitas empresas já estavam a ser vendidas, em processo de fusão ou mesmo a iniciar a liquidação. Segundo cálculos do analista Peter Cohan, a destruição de valor causada pela bolha das dotcom terá ascendido a sete biliões de euros. Só 15 anos depois é que o índice Nasdaq recuperou o valor alcançado a 10 de Março de 2000.

Bolha do subprime
Os primeiros sinais surgem a meio de Julho de 2007, quando dois fundos de investimento geridos pelo gigante financeiro Bear Stearns, com forte exposição ao famoso subprime, as hipotecas de alto risco do mercado imobiliário dos Estados Unidos, declaram insolvência. Seguiu-se a falência do Lehman Brothers, em Setembro de 2008, que levou à intervenção do Tesouro americano para evitar o colapso do sistema financeiro dos EUA e por arrasto também o sistema financeiro mundial. Esta era a consequência de uma década em que a banca norte-americana concedia milhões em crédito para comprar casa a pessoas sem capacidade para a pagar, com mau historial de crédito e sem rendimentos suficientes. Este crédito podre era depois vendido a instituições que criavam produtos financeiros muito sofisticados, contagiando assim todo o sistema financeiro mundial com activos tóxicos, sem que existisse uma regulamentação devida. O resultado foi uma bolha no mercado imobiliário sem precedentes, que deu origem a uma recessão mundial só comparável à Grande Depressão de 1929. A crise do subprime atingiu a Europa com grande intensidade e muitos países da Zona Euro, que viviam situações financeiramente débeis, rapidamente viram o subprime se transformar em crise de dívida soberana. Portugal foi um desses exemplos, tendo mesmo sido obrigado a pedir ajuda externa para evitar a falência. A crise do subprime e da dívida soberana chegou mesmo a colocar em risco a sobrevivência da moeda europeia.

Artigo publicado na revista Risco n.º 8 de Primavera de 2018.

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