Bitcoin vs. Bitcoin Cash. Qual virá a ser maior?

por Hugo Costa

Antes de mais, é necessário compreender o porquê do renovado interesse pela Bitcoin.
Na última edição da Risco analisámos as condições que permitiram à Ethereum, uma criptomoeda que tem como objectivo ser um “computador mundial”, e não apenas um método de pagamento ou de reserva de valor, e as razões da subida exponencial que teve ao longo do primeiro semestre deste ano. Nestas estava incluída a incerteza quanto à Bit-coin, caracterizada pelo problema da escalabilidade. Este problema tinha sido reconhecido já há alguns anos.
Aquando da criação da moeda, Satoshi Nakamoto, pseudónimo do criador da Bitcoin, decidiu criar um limite no tamanho dos blocos, onde as transacções são agregadas de 1 MB, de modo a mitigar ataques à rede, como os famosos Distributed Denial of Service attacks. Na altura, visto que a Bitcoin não tinha o uso que tem hoje, esta pequena linha de código não fazia grande diferença. O problema iniciou-se quando o preço começou a subir, em finais de 2016, e a rede deixou de aguentar com todo o tráfego. Isto fez com que as taxas de transacção subissem exponencialmente, tendo atingido, em Junho, um valor médio 25 vezes acima dos valores de Dezembro.
Este problema fez com que o mercado perdesse o interesse pela Bitcoin e desse uma grande vantagem às altcoins (moedas alternativas à Bitcoin, daí o nome alternative coins), visto que grande parte delas conseguia propagar transacções de forma mais rápida e barata. O mercado deu valor a isto, levando a que moedas como a Ethereum ganhassem tanto notoriedade como valor.
Como podemos ver no gráfico, a percentagem da capitalização relativa à Bitcoin passou dos 85% para, no seu mínimo histórico, a meio de Junho, apenas 37%, uns meros sete pontos percentuais da sua então rival Ethereum. Mesmo com esta perda de popularidade, nesse mesmo período, a Bitcoin duplicou o seu preço.
A razão é que a Bitcoin é como o dólar americano, pois praticamente todas as outras moedas têm um par de troca com esta. Ou seja, com o aumento da procura no mercado, os investidores tinham de primeiro comprar Bitcoin, e só depois trocar pelas altcoins.
A comunidade da Bitcoin não parou de trabalhar. Novas tecnologias já tinham sido testadas e aplicadas em moedas similares, como a Litecoin, para resolver o problema da escalabilidade.

Soft forks vs. hard forks
Para que a Bitcoin se pudesse tornar numa rede de pagamento com capacidade de rivalizar com o PayPal e a VISA, foram feitas várias propostas, catalogadas em dois grupos – soft forks e hard forks.
Soft forks são modificações no código-fonte da Bitcoin, que não implicam um upgrade por parte do utilizador. Ou seja, são medidas tomadas pelos programadores, que permitem que qualquer pessoa continue a usar a sua carteira, sem ter de actualizar qualquer coisa. Estas são, por norma, as favoritas, visto que parte da filosofia por detrás da ideia original era ser backwards compatible, noutras palavras, alguém com um software de 2009 conseguir usar a rede para enviar e receber transacções, da mesma maneira que alguém que corresse o programa mais recente.
Hard forks são, por outro lado, alterações na base da moeda, que fazem com que o software anterior seja incapaz de se conectar à rede. Controversas, estas obrigariam todos os utilizadores a fazer o upgrade, caso quisessem continuar a ter acesso ao seu dinheiro. Ora, o dinheiro digital já é consideravelmente complicado, e com este tipo de medidas muitos utilizadores iriam optar por sair, o que levaria a um grande impasse na adopção da Bitcoin pela comunidade.
Na concepção da Bitcoin, Satoshi, para prevenir que associações de pessoas com um grande poder de influência pudessem monopolizar a rede, decidiu que este tipo de operações só pode ser levado a cabo com um grande grau de aceitação. Para tal, 95% da rede tem de concordar com a proposta, ou não haverá qualquer tipo de mudança. Devido a esta condição, o problema foi-se arrastando, até que um conjunto de developers da Bit-
coin decidiu colocar no calendário uma data: 1 de Agosto. Nesta, ou se começava o período de transição para a proposta deles, SegWit, ou eles iriam criar uma nova moeda com a tecnologia proposta.
Nas últimas semanas de Julho, porém, a aprovação da rede foi dada e o processo de transição teve o seu início. Os apoiantes da outra proposta, por vezes denominados de Big Blockers (visto que defendem que a resolução do problema estaria num hard fork, que aumentaria o tamanho dos blocos), decidiram que no dia 1 iriam ser eles a criar uma nova moeda, com blocos até 8 MB.
Um dos princípios da Bitcoin é a sua transparência. O código esteve e sempre estará aberto, para qualquer pessoa o modificar como bem entender. Isto, no início, fez com que surgissem outras moedas que, usando os mesmos princípios, alteravam ou até adicionavam algum tipo de funcionalidade. Foram assim criadas moedas com um foco na rapidez, como o Ripple, com um foco na privacidade, como a Monero, só para citar dois exemplos. Este grupo de pessoas basicamente fez o que dezenas de comunidades já têm vindo a fazer, baseou-se na Bitcoin e montou a sua própria moeda.
A grande diferença entre essas moedas e a Bitcoin Cash é que os desenvolvedores copiam mais do que o código-fonte, pois copiam também todas as transacções e balanços da original.
Ou seja, os utilizadores recebem automaticamente o equivalente da sua carteira na nova moeda. Quem tem uma Bitcoin normal, passa a ter uma Bitcoin nova, sendo um incentivo à adopção desta altcoin. E, até agora, parece que tem resultado.
A Bitcoin Cash, criada em Agosto, é o melhor exemplo deste tipo de moeda. Nasceu devido à resolução de não criar blocos superiores a 1 MB, e tem o seu apoio nalgumas personalidades da comunidade, assim como nalguns mineiros chineses. Com um preço equivalente a cerca de 20% da Bitcoin (1.300 dólares), conta já com a terceira maior capitalização, tendo estado, aliás, acima da Ethereum por umas horas no início de Novembro.
Este tipo de operação é considerado um split, e, até agora, já foram feitos pelo menos dois. Durante o primeiro mês, a Bitcoin Cash teve uma volatilidade desmesurada – em menos de três dias viu o seu preço triplicar durante algumas horas, caindo para metade no final do dia. A questão que pairava por cima de todos os investidores era: “Como é isso possível?”
Além da volatilidade, esta moeda tem outro problema – os “mineiros”. Estes, através de equações matemáticas, são quem verifica que todas as transacções estão correctas. Quanto mais poder computacional houver, menor o tempo que as transacções levam a ser verificadas. Com o aumento da dificuldade, “mineiros” individuais começaram a desaparecer, sendo substituídos por empresas e pools (conjuntos de “mineiros” individuais ou colectivos, que partilham equitativamente os ganhos entre si para ter uma maior chance de acertar na “chave” do bloco). A distribuição do poder computacional já se assemelha um pouco à Bitcoin, um forte indicador de que há um interesse pelo desenvolvimento da moeda. Nas primeiras semanas, não seria possível ver um gráfico assim – um grupo anónimo deteve durante algum tempo mais de 50% do poder computacional da rede. O problema deste tipo de distribuição é que, se porventura esse grupo decidisse simplesmente desligar as máquinas, a rede iria parar, o que incutiu medo em grande parte dos investidores.
Golpe militar?
Mais recentemente, foi proposto outro hard fork, SegWit2x, com o objectivo de se tornar a rede principal, em vez de ser apenas mais uma altcoin. Esta proposta, claro, foi muito discutida entre a comunidade, sendo até considerada uma espécie de golpe militar, visto que mesmo sem o consenso entre a comunidade, os seus apoiantes tentavam impor uma mudança às regras base da moeda.
No plano estava a implementação da tecnologia SegWit (que já tinha sido activada em Setembro) e duplicação do tamanho máximo de um bloco. O dia 16 de Novembro era apontado como o possível início da implementação. Uma semana antes, em nome dos apoiantes da proposta, o CEO da BitGo anunciou a suspensão do projecto, dando como razão a falta de acordo por parte da comunidade.
A Bitcoin original respondeu favoravelmente, tendo atingido, no dia da publicação, um máximo histórico de 7.700 dólares (CoinMarketCap). Já a Bitcoin Cash, cujo volume diário tinha estabilizado, teve uma subida de preço dos 500 dólares, para um máximo de 2.300, cerca de 42% do preço do original. Sendo o único split que actualmente tem uma comunidade considerável, todos aqueles que eram a favor de mudanças através de um hard fork (apoiantes do SegWit2x) estão agora a apoiar esta.
A questão é: irá a Bitcoin original passar a ser Bitcoin legacy, e esta nova Bitcoin Cash tornar-se a nova Bitcoin? São poucas as pessoas que concordam. A maior equipa de desenvolvimento encontra-se ainda a trabalhar activamente na Bitcoin, enquanto a Bitcoin Cash nem sequer tem um repositório com todo o código usado, indo buscar a outros projectos que, com o mesmo objectivo desta, perderam o apoio.
Sem um maior apoio da comunidade, políticas mais claras e transparentes e uma distribuição de mineiros mais heterogénea, o mais certo é a Bitcoin original manter-se no topo nas criptomoedas.

Artigo publicado na revista Risco n.º 7 de Inverno de 2017.

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