A obsessão do curto-prazo

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Paulo Carmona

Director da revista Executive Digest

Editorial publicado na edição de Agosto de 2012 da revista Executive Digest

Um dos elementos que tem causado maior perplexidade na análise dos cenários e projecções macro-económicas tem sido a queda do investimento privado. Por que razão as empresas com capacidade e planos de investimento não o fazem?

A resposta dos empresários é simples, instabilidade fiscal. Num país onde essa situação infelizmente existe, muitas vezes até de forma leviana, o aperto financeiro e a obrigatoriedade de cumprimento do défice a que estamos sujeitos agrava-a bastante.

Ninguém consegue prever qual a atitude fiscal do Governo, nas empresas, nos sectores e nas famílias, face à necessidade de arrecadar mais receitas nos próximos anos. Isso a somar à imprevisibilidade do crescimento económico mundial, e em especial da evolução dos nossos principais parceiros económicos europeus, torna racional adiar as opções de investimento.

Os empresários sentem que o Governo está a atingir níveis de desespero no cumprimento do défice, numa lógica de caixa a contar os milhões que podem receber e pagar no dia ou na semana seguinte. Tal atitude, e horizontes de curto-prazo, criam suspeitas de que, para assegurar a sobrevivência de Portugal como nação solvente, o Estado não hesitará em lançar medidas de emergência mesmo que tenham implicações graves na sobrevivência económica a longo prazo.

O Governo não pode falhar o cumprimento do défice, essa é a prioridade máxima que deve ser entoada todos os dias no Terreiro do Paço, pelo país, mas também por eles. Como as reformas estruturais profundas, compreendidas no memorando da Troika e que todos esperamos, foram relegadas para segundo plano, é o défice a única métrica para aferir a competência do actual Governo, com ou sem atenuantes externas.

As reformas, coitadas, vão tendo umas operações de cosmética a fingir que estamos mesmo empenhados em libertar o país das rendas excessivas e dos grandes interesses corporativos. A Troika vai sempre avaliando Portugal muito positivamente mesmo que saiba bem a verdade; uma Grécia já chega e Espanha é onde estão todas as atenções, e assim vamos perdendo uma bela oportunidade para sermos mais europeus e menos corporativos.

Porque, como já aqui referimos, as dívidas presentes serão resolvidas, com mais ou menos dor ou com mais ou menos perdão de dívida, mas as dívidas futuras que iremos inegavelmente produzir se não mudarmos de vida voltarão para nos assombrar daqui a alguns anos.

Esperemos que não, porque ser um país pobre não é uma fatalidade, haja vontade de copiar bem o que os outros fazem.

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