A nova Accenture é mais digital

Na sua nova abordagem ao mercado, a Accenture quer ajudar os clientes a potenciar o paradigma digital. Está a reforçar em competências e na oferta de serviços, para liderar nas cinco áreas em que actua.

Por: M.ª João Vieira Pinto e Helena Rua

Fotos: Pedro Simões

José Gonçalves acaba de assumir o cargo de presidente da Accenture Portugal, sucedendo a José Galamba de Oliveira. Naquela que é a sua primeira entrevista à frente da empresa, não esconde que se entrou numa nova era. Estamos perante a Nova Accenture que, a breve prazo, quer ser líder em Portugal nas cinco áreas de negócio em que actua conforme o declara José Gonçalves. «No contexto da nova economia digital, a Accenture apresenta uma oferta integrada em estratégia, consultoria, digital, tecnologia e operações, com serviços inovadores potenciados pelo digital de forma transversal a todo o negócio», confirma o novo presidente que revela ainda a aposta da Accenture em recrutar perfis com competências mais digitais. É por aqui, defende, que se fará o caminho da liderança.

Que avaliação faz do mercado português da área de serviços profissionais e consultoria, tendo em conta as mais recentes movimentações (empresas que saíram, marcas novas que entraram)?
O mercado passou uma fase difícil, porque está muito associado ao músculo económico do País e ao seu crescimento. De facto, sabemos que Portugal passou por um processo complexo nos últimos anos. Começamos a sentir neste momento uma melhoria que afecta, sobretudo, os serviços de consultoria.

O outsourcing prende-se tipicamente com contratos de longo prazo que são, por isso, menos sensíveis à volatilidade do mercado. Aí não houve grandes disrupções. Na consultoria, sentiu-se muito o impacto económico das empresas que se retraíram no investimento, mas começamos neste momento a assistir a alguma recuperação.

Houve também o efeito Angola, que está com os desafios que se conhece. Em síntese, começa-se a crescer, começa-se a recuperar, mas ainda há desafios pela frente.

Há sectores que tenham sido mais sensíveis a estas mudanças?
O efeito foi transversal. Em termos do foco de trabalho que fazemos, tudo o que tem uma lógica de relação com os clientes, e pela própria dinâmica de mercado, é sempre mais arriscado para essas empresas travarem os investimentos. Porque, no fundo, tem que ver com o seu core. Os investimentos mais ao nível da transformação interna, dos backoffices, ficaram em segundo plano. Começamos agora a ver que há contexto para voltar a pôr em cima da mesa um conjunto de projectos e iniciativas.

A Accenture está muito focada na transformação digital das empresas. As empresas portuguesas estão preparadas para essa transformação, nomeadamente as PME que constituem a maioria do tecido empresarial?
Nós queremos ser os líderes na transformação digital dos nossos clientes. Somos um parceiro-chave nessa transformação digital e levamos muito a sério essa aposta – aliás, temos uma estratégia chamada Nova Accenture, que se prende com o reforço da forma como abordamos o mercado potenciando esse paradigma digital. Esse paradigma começou por ser mais explorado por startups. Entretanto, as grandes empresas, pela sua capacidade de investimento, de atrair talento, começam a fazer coisas muito interessantes na área digital, talvez ainda muito focadas na relação com os clientes. Há uma oportunidade industrial muito grande, ainda menos avançada por ser menos visível em termos de benefícios, mas acreditamos que, a prazo, será também uma área de forte investimento. As PME, porque não têm um ADN de startup e por terem menos músculo em termos de talento e de capacidade de recursos, são aquelas que têm mais dificuldades a este nível.

Quando diz que a Accenture quer ser líder, na prática isso significa exactamente o quê?
Significa que todos os clientes, quando pensam nos desafios de transformação digital, pensem em nós. Que quando pensem em transformar os seus processos, potenciando as tecnologias digitais, pensem na Accenture como primeira opção. Isto porque somos uma empresa de serviços profissionais que presta serviços de consultoria estratégica, de outsourcing de processos, de tecnologias de informação, pelo que sempre que um cliente pretende transformar-se sabe que temos o know-how e capacidades que podem apoiá-lo numa perspectiva end-to end.

É essa a Nova Accenture?
É essa. Tudo o que faz hoje em dia tem a ver com o mundo digital. Temos aquilo a que chamamos uma confederação de cinco negócios, com áreas de actuação distintas e que nos garantem uma oferta integrada end-to-end: estratégica, consultoria, digital, tecnologia e operações.. Os nossos clientes continuarão a ter os sistemas que foram desenvolvidos no paradigma do que é hoje o mainstream, mas há um conjunto de novas tecnologias – como a internet das coisas, a robótica, a inteligência artificial, os analytics – que trazem muito valor. A área de BPO, por exemplo, é interessante, porque até hoje o paradigma do BPO era um paradigma de pessoas. Agora passa a ser um BPO digital porque muitas operações passam a ser feitas por robôs, com inteligência artificial, com analytics que dão inteligência sobre que operações são mais críticas em cada momento e, portanto, este paradigma é a cara da Accenture. Falando de consultoria, nós conhecemos uma fase em que os clientes compravam muito trabalho. Hoje as suas necessidades são distintas, e pedem-nos mais projetos que tenham posteriormente uma fase de implementação, e que requer, quase sempre, tecnologia. Portanto, estamos a fazer um blend de pessoas de consultoria que têm valências também de tecnologia e de digital. Em síntese, tudo o que fazemos tem de ter uma componente forte de digital para acrescentar mais valor e para ser mais inovador.

Há sectores onde essa transformação digital é mais complicada de implementar?
Diria que pela maturidade que falava, talvez porque a relação com os clientes foi mais desenvolvida do que a parte interna e industrial dos processos internos, os sectores que têm mais exposição, a clientes mass market, têm neste momento mais capacidade de mostrar trabalho, como é o caso da banca, do retalho, telecomunicações e utilities.

Portanto, neste momento é muito centrado no B2C…
É muito B2C e relação com os clientes, efectivamente… ainda.

Esta nova Accenture vai implicar um novo modelo de gestão?
Vai implicar novas competências, já está a implicar novas competências. A Accenture, fazendo aqui um breve histórico, era uma empresa de consultoria e, portanto, tinha um paradigma de pessoas com um determinado tipo de perfil e um determinado tipo de carreiras. Hoje tem vários tipos de perfis e várias carreiras. Isso reflecte-se na forma como atraímos talento, como recrutamos, como o retemos, são pessoas com expectativas diferentes. Temos desde gestores especializados em estratégia, designers gráficos em marketing digital, a pessoas de estatística que fazem analytics, temos consultoria sempre focada em potenciar as tecnologias, temos gestores de operações que têm de ter uma sensibilidade para automatização e robotização. Sobretudo, como queremos ter esta ambição de liderar a transformação digital dos nossos clientes, isso requer um conjunto de competências também mais digitais das pessoas com quem colaboramos e que trabalham connosco.

E os portugueses estão preparados para esta transformação? Um estudo recente da Accenture refere que 29% dos portugueses utiliza os canais digitais – esteve na área das utilities, portanto tem esta percepção – para tratar de processos de abastecimento de energia, um número que contrasta com os 44% a nível global. Nós somos conhecidos por sermos early adopters. Por que é que existe este desfasamento tão grande?
Não sei se temos uma resposta única para esse factor. Há talvez duas questões que podemos considerar nesta resposta. Uma é o trabalho de casa que as empresas têm que fazer para proporcionar uma experiência mais simples a quem quer adoptar o tipo de interacção digital. Segundo, talvez algum tipo de ofertas que incentivem as pessoas também a aderir mais ao digital. Se eu tiver um determinado produto ou serviço que sei que tem benefício se usar o digital, se calhar vou ter mais incentivo para aderir. Diria que passa por um trabalho de sensibilização dos consumidores para os benefícios que podem vir do digital, mas também passa por um trabalho de casa das empresas e das organizações do sector público para proporcionar uma experiência diferenciadora que seja incentivadora da utilização.

A banca é um bom exemplo desta transformação digital…
E repare que nesses casos os clientes reconheceram o valor, a diferença – mais rápido, mais simples, mais cómodo, mais conveniente – em adoptar o digital e as empresas prepararam-se para esse desafio com alguma antecedência. Já é um negócio relativamente maduro dentro deste digital. Esse tipo de abordagem vai ter de se alargar a muitos mais sectores de actividade.

E a esses sectores irá acontecer o mesmo que aconteceu com a banca? Fecho de balcões, redução de pessoal devido a esta estratégia muito virada para o digital…
Fazemos um estudo anual sobre a visão tecnológica da Accenture para o futuro e este ano, um dos temas abordado é o facto de o trabalho não ter necessariamente que reduzir em termos do que é necessário na intervenção das pessoas,aliás a principal conclusão retirada foi “People First”. O que vai é mudar. Um caso paradigmático: se eu tenho um conjunto de processos operacionais que tenho que gerir, muitos deles passarão a ser feitos por robôs, digitais, e não por pessoas. Isso poderia levantar um problema de falta de trabalho.

Mas há um outro tipo de trabalho que tem de ser feito de maior valor acrescentado, que é analisar esses processos, a qualidade do serviço que está a ser prestado e focar mais em temas que os robôs não podem executar. Novos tipos de trabalho que vão surgir nesse âmbito. Fazer uma análise dos outputs, analisar as excepções que os robôs não conseguem executar, a qualidade do serviço que está a ser prestado, portanto, é um tipo de trabalho diferente.

Se vai haver impacto na procura total de trabalho, é difícil dizê-lo. Mas que é possível desde já afirmar que o tipo de trabalho vai ser diferente e vai criar novas exigências de qualificações, mas também novos desafios, isso sem dúvida alguma.

As escolas estão preparadas para fornecer esse talento necessário às empresas?
As universidades portuguesas são um exemplo da qualidade de ensino e têm estado, muitas vezes, à frente em termos tecnológicos.

Os recursos portugueses são muito valorizados lá fora, num mundo que cada vez é mais global e integrado. Penso que Portugal, pela qualidade de ensino que tem, pela qualidade das suas pessoas que é reconhecida – nós na Accenture temos serviços para fora, para outros países, e é sempre reconhecida a qualidade das pessoas, da sua preparação académica e da forma como encaram o trabalho – se souber aproveitar este paradigma digital, e ver o mundo como o seu mercado, terá oportunidades certamente nesse âmbito.

Está na Accenture praticamente desde o início, há 22 anos. Que evolução sofreu a consultora nestes 25 anos de actividade em Portugal?
Uma grande evolução, que se pode dividir em três estágios. Era um negócio em que basicamente os clientes começaram por perceber o que é que era a consultoria, começaram a ter necessidades de talento que não tinham dentro de casa e havia mais procura do que oferta. A década de 90 foi muito focada nesse tipo de paradigma. Diria que a fase seguinte foi de crescimento, em que as consultoras sentiam que tinham de acrescentar mais valor porque apareceram todo o tipo de consultoras no mercado a tentar fazer um pouco de tudo e começou a haver por parte dos clientes muito mais qualificação, muito mais capacitação em termos de quadros e as empresas sentiam que tinha de evoluir para uma consultoria muito mais orientada ao valor e isso obrigou as empresas a adaptarem-se e a fazerem propostas orientadas ao valor a acrescentar ao seu cliente, numa óptica de partilha de riscos.

Neste terceiro estágio de maior maturidade, por incrível que pareça, a Accenture passa por uma nova transformação, que se prende com o facto de o mundo digital estar a transformar completamente a forma de fazer o negócio. Portanto, vejo esta fase como a fase de reinvenção ou transformação do negócio para potenciar a oportunidade digital que os clientes têm.

Estão então a crescer e a aprender com os clientes…
A vantagem da Accenture enquanto uma empresa multinacional é que tira partido de uma rede global com muito boas práticas, retirando o melhor dessas experiências para os nossos clientes locais. Tendo por base essas experiências, e uma equipa local de grande talento, criatividade e inovação, conseguimos realmente potenciar o que de melhor se faz no mundo.

Enquanto novo presidente quais são os seus grandes desafios na consultora, o que é que vai fazer de diferente?
Primeiro, tenho muito orgulho naquilo que tem vindo a ser feito.

José Galamba tem que estar mais do que orgulhoso na liderança que teve durante 10 anos; somos líderes de mercado, temos um respeito enorme por parte dos nossos clientes, somos admirados pelos nossos parceiros. Mas, como em tudo na vida, não podemos ficar acomodados ao que temos e quando há uma nova liderança há uma nova ambição.

E quando é que o vai conseguir?
Vamos ter resultados mais no curto prazo e vamos ter transformações mais estruturais. No curto prazo, temos alguma facilidade de conseguir pôr ao serviço da equipa portuguesa capacidades internacionais da Accenture, e isso vai ser um acelerador muito grande.

Diria que, em termos de mercado, não há desculpa para que rapidamente não consigamos capturar oportunidades, aliás, isso já está a acontecer neste momento. Uma parte relevante do nosso negócio já é feita em trabalhos de consultoria ou de tecnologia ou de BPO, potenciando o paradigma digital.

A médio prazo, creio que o desafio vai ser criar competências locais mais sólidas com este output de trazer o talento internacional para o país e, ao mesmo tempo, criar know-how local que nos permita ser mais sustentáveis e mais autónomos no mercado.

Tem aquisições na forja, depois da compra da New Energy Group em Espanha?
Esse é sempre um tema que está em cima da mesa. Não queremos comprar por comprar, não temos a fobia de comprar para crescer. Queremos comprar porque acreditamos que são compras que vão acrescentar valor aos nossos serviços e clientes. Estamos atentos, estamos permanentemente a avaliar oportunidades, poderá acontecer, poderá não acontecer, em função de concluirmos que realmente é uma compra que vai acrescentar valor aos nossos serviços.

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PERFIL
É um homem da Accenture. José Gonçalves, aos 44 anos presidente da consultora, tem todo um percurso profissional feito na casa. Licenciado em Engenharia de Sistemas e Informática pela Universidade do Minho, com certificações em Alta Direção pela AESE, Gestão pela Universidade Católica e Logística pela APICS, sucede no cargo a José Galamba de Oliveira (presidente da Accenture nos últimos 10 anos).
José Gonçalves ingressou na consultora em 1994, tendo sido promovido a director em 1999, a administrador em 2009 e a vice-presidente em 2012. Hoje, recorda como primeira experiência relevante de trabalho, após contribuições iniciais pontuais nos sectores do retalho e dos combustíveis, a participação na primeira implementação de SAP R/3 em Portugal.

Entrevista publicada na revista Executive Digest n.º 127, de Outubro de 2016.

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