A importância da experiência

Dez anos depois da última grande crise global, os centros comerciais estão a passar por uma renovação com vista a torná-los mais experienciais e atraentes para satisfazer um consumidor que alterou os seus padrões de compra.

A Multi Portugal e Espanha tem um posicionamento estratégico enquanto consultor especialista na gestão de activos de terceiros. Uma realidade incorporada de forma a consolidar a posição de player incontornável. Em entrevista, Francisco Cavaleiro de Ferreira, managing director da Multi Portugal e Espanha, partilha o percurso desafiador da última década e as próximas apostas para continuar a crescer.

Em 2008, com a falência do Banco de Investimento Lehman Brothers iniciou-se uma crise global. Com efeitos que se vieram a reflectir em Portugal, qual o impacto no Imobiliário e Retalho?

Antes de mais é importante perceber qual era o contexto na altura.  Como uma pequena economia integrada um mundo globalizado baseado no consumo privado, com altos níveis de endividamento familiar, dependência extrema das importações e baixos níveis de produtividade, como era o caso à época, Portugal não estava em posição de reagir nem tinha argumentos para lutar contra a queda de confiança no sistema financeiro. Por outro lado, a forte redução do rendimento disponível, causada pelo crescimento do desemprego ano após ano, originado pelo aumento dos impostos e congelamento ou retracção salarial, reduziu a confiança dos retalhistas e limitou a sua expansão e investimento. Este cenário conduziu a uma diminuição das vendas e footfall o que originou movimentos de concentração no retalho – muitos dos retalhistas locais e independentes faliram, e não houve entrada de novos operadores – que impactaram a ocupação e as condições comerciais. Isso levou à pressão para reduzir as rendas, aumentou os níveis de endividamento dos retalhistas sufocados e reduziu das taxas de ocupação. Este cenário de falta de capacidade de investimento por parte dos proprietários e dos retalhistas, deteriorou a experiência do cliente – falta de novidade, espaços mais envelhecidos e deteriorados. Neste contexto houve uma maior oportunidade para o retalho online.

E na Multi Portugal, em particular?

O impacto foi significativo. Naquela altura, a Multi concentrava-se no desenvolvimento e promoção de centros comerciais, bem como na gestão desses centros para terceiros. Perante o cenário macro descrito, vimos o interesse dos investidores desaparecer e a escassez de capital para financiar projectos que estavam no pipeline. A nossa actividade diminuiu no lado do desenvolvimento já que tomámos a decisão de parar vários projectos, todos de dimensões relevantes. A crise forçou-nos a adaptar e ajustar o âmbito de actuação, bem como a estratégia. Em 2013, tivemos a entrada de um novo accionista, com uma nova estratégia e uma impressionante capacidade de alocar capital para as nossas actividades.

Pouco depois da grave crise global de 2008, e como sabemos, em Portugal fomos forçados a entrar num processo de resgate. Mesmo durante o processo de ajuste, conseguimos manter as nossas competências de promoção e desenvolvimento e melhorar significativamente a nossa capacidade e competências de gestão de activos, com resultados impressionantes na sua valorização consolidando a nossa posição no negócio de gestão para terceiros. Foi bastante gratificante manter a confiança e apoio de todos os proprietários a quem a Multi assegurou a gestão dos seus activos ao longo de todo o período de crise e ao mesmo tempo ser capaz de lançar o Forum Sintra em 2009 e o Metropólis Edifício Sul em 2010, os quais se provaram bem sucedidos, apesar da forte concorrência nas suas áreas de influência e a situação de mercado difícil. Mostrou claramente a experiência, a criatividade e o empenho das nossas equipas, bem como a nossa capacidade de estabelecer relações de longo prazo e de confiança com os principais inquilinos.

E se vivêssemos uma crise como a que eclodiu há 10 anos, estaria o País preparado?

Como acontece com todas as crises, a última serviu um pouco de filtro que distinguiu os activos mais preparados e qualificados dos outros. Os requisitos bá- sicos, como localização, acessibilidade e área de captação faziam parte do primeiro nível de análise para activos com mau desempenho. A conveniência, o mix de oferta, a experiência e os serviços eram parte do segundo nível que destacava os activos com melhores desempenhos. Os centros comerciais secundários foram vistos como investimentos de risco, e havia um foco nos activos prime. Abriu-se um conjunto de oportunidades de compra e venda de activos, e alterações relativas à estrutura dos contratos foram implementadas, quer no lado da venda/aquisição, quer no lado operacional, quer com os retalhistas. Agora, eles são mais dinâmicos e flexíveis do que nunca. É neste enquadramento e com a perspectiva actual da economia; crescimento do PIB, redução do défice, aumento do investimento estrangeiro e redução do desemprego, que se verifica um aumento considerável da confiança dos investidores, dos retalhistas e dos consumidores, e Portugal é considerado pelos investidores como uma oportunidade de investimento a longo prazo.

Qual a condição actual da empresa que lhe permitiria enfrentar essa situação?

O percurso que fizemos nos últimos 10 anos tem sido desafiador para a Multi Portugal. Houve grandes projectos no nosso pipeline, como o Forum Alverca, o Forum Setúbal, Forum Leiria e Forum Cascais que nunca viram a luz do dia como resultado da crise. Esses projectos representavam entre 30 000 m2 de ABL e 90 000 m2 de ABL. Mas projectos mais pequenos também foram cancelados. Ainda assim fomos capazes de avançar com o Forum Sintra, um centro comercial de 46 000 m2 na área da grande Lisboa, que abrimos em 2011, e o Edifício Metrópolis Sul de 14 500 metros, que abriu em 2012 que é o primeiro edifício de escritórios a ser construído em Lisboa como parte de um plano urbano maior para esta área. Com a mudança da estrutura accionista de 2013, 14 novos activos foram adquiridos para serem geridos por nós, com vista a melhorar os seus desempenhos e serem vendidos posteriormente. Neste período, destaco algumas aquisições tácticas de curto prazo, como uma carteira que incluía 40 activos, que representaram boas oportunidades para ganharmos experiência e testarmos a flexibilidade da nossa estrutura de gestão. No início de 2018, conseguimos mais de 500 000 m2 de ABL, tínhamos 1500 contratos, que representam cerca de mais de $1b em vendas e em torno de 100 milhões visitantes. Somos hoje por isso uma organização muito mais sólida e experiente do que éramos em 2008.

Quais são as principais tendências que se observam no sector do retalho imobiliário?

Os centros comerciais estão a passar por uma grande renovação, com vista a torná-los mais experienciais e atraentes para as novas gerações de consumidores, que demostram padrões de compras diferentes: mais, e cada vez mais sofisticadas opções de alimentação e entretenimento estão a ser integradas, e o seu ambiente está a ser actualizado com design e tecnologia, melhorando a experiência de quem os visita.

Adicionar entretenimento à experiência do centro comercial é fundamental para reforçar a sua competitividade com o mundo digital, uma vez que as crianças e os adultos procuram experiências únicas e diferenciadas. A ascensão do comércio electrónico aumentou a concorrência entre os centros comerciais, que devem por isso conseguir tornar-se espaços omnichannel. Os centros comerciais vão passar a disponibilizar de espaço como “centros de entrega” para “grossistas digitais” – Uber Eats, Glovo, etc. As lojas tenderão a ser altamente experienciais e a visita será feita num registo “fun park” de marca. A inovação tornou-se parte integrante da forma como os centros comerciais evoluem, reduzindo as barreiras entre o mundo digital e o mundo físico.

Os centros comerciais mais impressionantes serão baseados em experiências memoráveis e emocionais que atraem consumidores hiperconectados.

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