A análise técnica não é um bicho papão
por Miguel Gomes da Silva, Head of Treasure and Trading Montepio Geral
Para os mais entendidos em matérias de trading, a Análise Técnica é uma ferramenta essencial no momento de tomar uma decisão de compra ou de venda. Há várias comunidades de entusiastas de Análise Técnica que se reúnem em fóruns da internet para debater o mais ínfimo detalhe ou estratégia dos indicadores técnicos. Muitos consideram-nos nerds, o que, em alguns casos, não é uma adjectivação totalmente descabida! Entre os fervorosos adeptos da Análise Técnica, existem os mais fundamentalistas, que seguem à risca todos os preceitos desta ferramenta, os resignados, que, apesar de poucas vezes acertarem nos momentos certos de compra ou venda, continuam a defendê-la como se nada mais existisse e há ainda os crentes, que acham sempre que um dia o mercado vai-se comportar exactamente como previram.
Análise Fundamental
Antes do reconhecimento da Análise Técnica como ferramenta de sucesso em trading, a Análise Fundamental era o recurso mais utilizado no suporte à decisão de investimento, para realizar a avaliação e selecção das empresas (ver caixa). Em teoria, a Análise Fundamental é uma fonte de informação fiável, fundamentada pela actividade real das empresas e que permite uma projecção a longo prazo da evolução dos preços das acções e de diversos instrumentos financeiros. Na Análise Fundamental, além dos dados constantes nos relatórios de actividade das empresas, são tidos também em conta as expectativas do crescimento do negócio, o contexto macroeconómico, o preço do produto vendido e respectivos custos das matérias-primas, entre outros factores que fazem parte do quotidiano real de uma organização. Por estas razões, a Análise Técnica era considerada inútil nos primeiros tempos da sua utilização, ridicularizada pelos fundamentalistas, que justificavam o falhanço da Análise Técnica pelo seu recurso exclusivo a dados históricos, sem previsões concretas para o futuro.
Exposta desta forma, parecia que a Análise Técnica não teria qualquer utilização útil. Mas tem. Existe uma variável de mercado não prevista pela Análise Fundamental, não justificada pela análise de cash flows e dos resultados esperados de uma empresa cotada em bolsa, não explicativa das bolhas e crashes observados. Essa variável é o trader. O conhecimento que o conjunto de todos os traders possui de uma empresa, ou de um determinado activo financeiro, colocado em mercado e espelhado no comportamento dessa acção ou activo, torna o preço dos mesmos num indicador riquíssimo em informação. Na Análise Técnica, o preço de um título incorpora todas as notícias, informação pertinente e expectativas em torno desse mesmo título.
A intervenção repetida e multifacetada de todos os traders no mercado move os preços de forma não ilustrada pela Análise Fundamental. A psicologia humana entra também em cena nos movimentos de preço ao longo do tempo, reflectida em todos os instrumentos financeiros transaccionáveis. A Análise Técnica agrega num único indicador – o preço –, quer os factores fundamentais de um activo, quer as crenças, mitos, rumores, estigmas e demais elementos psicossomáticos em torno desse activo.
Esta vertente humanizada da Análise Técnica é a sua grande vantagem face à Análise Fundamental. É uma ferramenta essencial para qualquer trader de sucesso e que pretenda obter resultados consistentes, aproveitando todas as fontes de informação possíveis e ao seu dispor.
A Análise Técnica
É o estudo dos movimentos de preço e volume, num mercado livre. Deste modo, consiste no estudo do mercado em si, como um todo e não apenas dos bens e derivados transaccionados ou dos fundamentos por detrás de cada preço.
Utilizando recursos estatísticos, como preços históricos e indicadores de volume, juntamente com meios gráficos, a Análise Técnica identifica padrões e tendências, tentando prever movimentos futuros nos valores das cotações de mercado. Esta capacidade de previsão do preço, e sua projecção para o futuro, é o principal objectivo de qualquer tipo de análise de mercado, pois é o que permitirá ao investidor tomar decisões fundamentadas e desejavelmente acertadas.
Existem três conceitos base que servem de racional para a Análise Técnica: o preço actual de mercado reflecte toda e qualquer informação disponível, os preços movem-se em tendências e a “história repete-se”.
Vejamos então as bases para entender o racional por trás da Análise Técnica. Desde logo o conceito de tendência e as várias formas que existem para a identificar. As médias móveis são a ferramenta de identificação da tendência mais utilizada e de mais fácil compreensão. E há depois as ferramentas que permitem identificar os níveis de compra ou vendas de um activo financeiro. Os osciladores e as velas japonesas constituem dois bons exemplos, para começar.
Existe uma panóplia de indicadores que, utilizados em conjunto ou separado, permite obter as conclusões de previsão de comportamento dos preços. Ao fim ao cabo, o objectivo primordial da Análise Técnica é o de fornecer sinais de compra ou venda.
Médias móveis
As médias móveis são um contributo muito significativo na identificação das tendências e das suas alterações. Por isso, são praticamente indispensáveis para acumular ganhos e para decidir o melhor momento de entrar no mercado, seja em posições longas ou curtas.
Pelo facto de, por vezes, existirem fortes flutuações diárias de preços, o recurso a esta ferramenta facilita uma análise suavizada, absorvendo estes movimentos mais bruscos. Esta característica de alisamento da curva de preços facilita a identificação de tendências e a sua direcção.
As médias móveis (moving averages em inglês) são conceptualmente muito simples de construir e entender. Representam a média cumulativa de um determinado número de cotações históricas, observadas até ao dia de construção da média móvel em análise. Por exemplo, uma média móvel de 14 períodos ou sessões representa a média dos preços das últimas 14 sessões, sejam estas meses, dias, horas ou minutos. São móveis porque acompanham a sessão mais recente, retirando a cotação mais antiga e adicionando a última cotação do título, no final de cada período.
Os osciladores
A designação de osciladores justifica-se porque os preços oscilam entre linhas de suporte e resistência, num canal ou banda de oscilação (trading range), durante um período indefinido. Além de úteis nestas situações, os osciladores não são exclusivos para lateralizações. Usados em conjunto com os padrões gráficos, podem servir de informação adicional, ajudando a reconhecer um abrandamento de uma tendência, ou indicando situações de sobrecompra (overbought), ou sobrevenda (oversold).
Tendo presente que os osciladores devem ser sempre utilizados em conjunto com uma análise da tendência, pois podem dar informações inadequadas se utilizados isoladamente, podemos interpretar os seus sinais tendo por base duas ideias:
• Deve-se comprar quando um oscilador se encontra em valores muito baixos e começa a decrescer, dando sinal que os preços mínimos estão a chegar a um limite de queda;
• Deve-se vender quando o oscilador se encontra em valores muito altos, no topo do canal e começa a aumentar, dando sinais que a força dos preços máximos está a abrandar.
Os osciladores são, assim, uma importante ferramenta de auxílio à decisão no trading. Entre os mais conhecidos, encontramos o Momento, o RSI, o Estocástico, o MACD e o ROC. Dispor de vários instrumentos e usá-los em simultâneo nem sempre produz os melhores resultados. Mergulhar numa panóplia de osciladores pode ser, inclusivamente, contraproducente para um trader, confundindo-o e pouco ajudando a uma decisão.
Vejamos então, de forma simples, como funcionam e para que servem alguns osciladores, como, por exemplo, o Momento e o RSI.
O Momento
O Momento é o oscilador de conceito mais simples e de mais fácil compreensão. Mede a velocidade de alteração dos preços durante um período pré-fixado face à última cotação de um título. Utilizando um determinado número de sessões anteriores, é calculada uma linha de Momento. Por exemplo, para um Momento de 20 dias é subtraído o preço de fecho de há 20 dias ao preço de fecho da última sessão, o que significa que obtemos um número positivo se o preço está a subir e um número negativo se o preço está a descer.
Deste modo, por construção, este indicador tem valores em torno de uma linha central de valor zero. Tendo valores positivos quando os preços sobem de forma rápida e negativo quando descem.
Na parte inferior do Gráfico I, apresenta-se a linha de Momento para o futuro E-mini NASDAQ 100, cuja oscilação se faz em torno de zero. Quando esta linha cruza a recta do zero no sentido ascendente, dá um sinal de compra, conforme se observa no início de Outubro de 2015. Quando o cruzamento ocorre no sentido descendente, estamos perante um sinal de venda, visível na primeira semana de Novembro de 2015. Neste caso, a implementação desta estratégia teria tido um retorno de 10,2%. Apesar de muito simples de construir, o Momento fornece um sinal de compra ou venda de interpretação imediata, que pode gerar bons resultados.
O RSI
O oscilador RSI – Relative Strength Index (Índice de Força Relativa), à semelhança do Momento, baseia-se no tratamento estatístico de um determinado número de preços de sessões anteriores que, por construção matemática, varia entre 0 e 100. O RSI é um indicador muito comum e de leitura e interpretação fáceis. Graficamente, o RSI apresenta um indicador visual e numérico do número de sessões anteriores em que o activo em estudo fechou em subida ou descida. Números altos significam muitos períodos recentes em movimento de subida, enquanto números baixos significam períodos em descida.
O número de sessões utilizadas na análise condiciona a sensibilidade do RSI. O parâmetro mais comum utilizado é a série de 14 dias. Nesta ferramenta existem outros parâmetros personalizáveis, como as zonas de sobrecompra – overbought – e de sobrevenda – oversold. Os valores geralmente utilizados para fixar os pontos de mudança de zona são 70 e 30. Acima de 70 entramos numa zona de sobrecompra, sendo um sinal para vender, e abaixo de 30, numa zona de sobrevenda. Através de um gráfico, é facilmente perceptível a interpretação dos sinais dados pelo RSI – RSI14 representado na parte inferior do gráfico.
Na cotação de 12 meses, até Janeiro de 2016 da Danone SA, verifica-se um momento de sobrecompra – overbought – entre meados e finais de Abril de 2015, em que o RSI cruza, por três vezes, a linha superior do canal, de valor 70, cruzando-a novamente de forma vincada em sentido descendente. É um claro sinal de venda. Segue-se uma queda do título. Após quatro meses surge um novo sinal, neste caso, de compra, ou de fecho de posição, em Agosto de 2015. Isto porque o RSI desceu para valores inferiores a 30, característicos de sobrevenda – oversold –, e voltou a cruzar esta mesma linha horizontal no sentido ascendente. Houve um novo momento de venda no final de Outubro de 2015. Em Janeiro de 2016 o RSI aparenta estar a caminho de um sinal de compra, mas aguarda confirmação. Para tal, deverá cruzar a linha dos 30% para baixo e voltar a cruzá-la em sentido ascendente.
Velas japonesas
Por tradição, a Análise Técnica japonesa foca-se sobretudo na interpretação dos símbolos utilizados nos gráficos de Candlesticks, também conhecidos por velas japonesas. A riqueza aportada pela interpretação das velas é inestimável, proporcionando um manancial de informação sobre o mercado, os seus intervenientes e, sobretudo, sobre as reacções dos movimentos dos preços e respectiva força na cotação de um activo financeiro. Em suma, um gráfico de velas fornece-nos informação mais aprofundada sobre uma sessão bolsista do que a dada por um gráfico de barras, a ferramenta de Análise Técnica ocidental directamente mais comparável. A principal diferença entre uma barra e uma vela encontra-se nos elementos que cada uma privilegia na sua análise. Enquanto num gráfico de barras se dá mais enfoque ao preço de fecho de uma sessão comparado com o preço de fecho da sessão anterior, num gráfico de velas japonesas dá-se mais importância à relação entre o preço de abertura e o preço de fecho de uma mesma sessão. Daí, a forma corpulenta das velas e o preenchimento do seu corpo a branco ou a negro.
A parte mais importante do Candlestick é o corpo, que representa o movimento do preço entre a abertura e o fecho da sessão. Adicionalmente, são indicados o máximo e mínimo, representados pela linha vertical acima e abaixo, também conhecida por sombra.
Na Figura I apresentam-se os dois tipos de velas que integram um gráfico de Candlesticks. Para cada período de tempo escolhido no estudo – uma sessão de Bolsa ou um intervalo de tempo de 10 minutos, por exemplo –, é desenhada uma vela. Se o título em análise subir face à abertura da sessão, a vela será branca, lendo-se na parte superior do corpo (zona a cheio) o preço de fecho que é, logicamente, mais alto do que o preço de abertura dado pela parte inferior do corpo. Caso a sessão em análise tenha uma evolução negativa, a vela surgirá cheia a preto, fornecendo a informação do preço de abertura na parte superior do corpo e de fecho, na parte inferior. Os mínimos e máximos da sessão são dados pelas linhas das extremidades, designadas por sombras.
Podemos usar as velas japonesas ao longo de um dia de trading, de forma a retirarmos delas toda a informação sobre o mercado em cada intervalo de tempo seleccionado. Por exemplo, se optarmos por escolher intervalos de cinco minutos, cada vela permitirá saber se o activo teve um desempenho positivo – vela branca –, ou negativo – vela preta –, nesses cinco minutos. Se a distância entre as extremidades das sombras for muito ampla, é sinal que existiu uma elevada volatilidade. Por cada período de cinco minutos, o gráfico vai desenhando uma vela e fornecendo uma leitura de desenrolar da sessão bolsista. Se se observar no gráfico um conjunto de várias velas brancas consecutivas, é sinal de um período de tendência ascendente. No caso de uma vela evidenciar um corpo preto muito alongado e praticamente sem sombras, ficamos a saber que o activo registou uma forte queda no período, fechando perto dos mínimos.
Artigo publicado na revista Risco n.º 6 de Outono de 2017.