por Renato Santos

Viver a vida a dois sem qualquer compromisso legal? Em 2001, eram 381 mil portugueses e actualmente são já mais de 730 mil, segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística. Um número que mais do que duplicou desde o início do século, embora a maioria da população, cerca de 4,9 milhões, ainda opte pelo casamento oficial.
A opção por viver em união de facto foi legalmente reconhecida em 2001, pela Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, e actualizada nove anos mais tarde, pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto. Esta legislação regula a união de facto, porém esta não é exaustiva, nem cobre todas as situações, embora conceda alguns direitos, em tudo semelhantes a quem está casado, como o direito à protecção da casa de morada de família, bem como, no que diz respeito a férias, feriados, faltas, licenças, adopção de crianças, filhos e responsabilidades parentais.
Só com o fim de uma união de facto é que muitas pessoas percebem o vazio legal em que caíram, como, por exemplo, em relação à partilha de bens, responsabilidade de dívidas ou a questão de heranças, entre outras situações.

Aos olhos da Lei
É reconhecida juridicamente a união de facto entre duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam juntas há mais de dois anos. Esta pode ser provada através de filhos comuns, testemunhos de vizinhos ou por documentos que demonstrem a comunhão de casa. Outro meio de prova é uma declaração pedida na Junta de Freguesia, que deve ser acompanhada por uma declaração dos dois membros do casal, sob compromisso de honra, de que vivem juntos há mais de dois anos, e pelas certidões de nascimento de cada um. Não é obrigatório registar a união de facto.
O fim da união dá-se pelo falecimento, casamento de um dos membros, ou pela vontade de um deles, tendo, neste caso, de ser judicialmente declarada, caso se pretenda fazer valer direitos que dependam dessa dissolução.

Divisão de bens
Com o fim da união de facto coloca-se a questão da divisão do dinheiro no banco, bens móveis e imóveis e dívidas contraídas. Se existir um contrato de coabitação, aplicam-se as regras acordadas e a partilha dos bens materiais é simples. Esta é uma solução em voga em países como, por exemplo, os EUA ou a Holanda, em que fica estabelecido em contrato, reconhecido em escritura notarial, os bens que cada um dos membros do casal tinha antes da união, as regras de divisão dos bens adquiridos durante a união, princípios para contrair dívida e seus pagamentos, entre outros itens.
Alguns países questionam a validade do contrato de coabitação, mas em Portugal a doutrina tende a aceitar e a validar a sua celebração, com a possibilidade de cada uma das suas cláusulas ser convencionada, desde que não haja violações de disposições legais.
Caso não exista contrato de coabitação, aplica-se o regime da co-propriedade, ou seja, cada um é proprietário na proporção em que entrou na aquisição do bem durante a união. Ou pode ainda ser aplicado o regime de enriquecimento sem causa e, neste caso, se um dos membros comprou um determinado bem em seu nome, mas com dinheiro do outro, terá de restituir aquilo de que se apoderou.
Neste momento podem surgir problemas, já que, por vezes, a aquisição de alguns bens é apenas feita em nome de um dos membros da união, embora a compra tenha sido feita em co-propriedade. Perante a Lei, é proprietário quem efectivamente está como titular do bem.
Segundo o site “Direitos e os deveres de cidadania”, por regra não há partilha de bens com o fim da união de facto, mas há que decidir quem fica com o quê.
A Lei atribui à união de facto alguns efeitos jurídicos idênticos aos do casamento, como sejam, a assistência social, o direito a alimentos e a garantia de habitação.

E em caso de morte?
Ainda em relação à casa de morada de família, se um dos membros da união de facto falecer e este for o proprietário, então o outro, caso não tenha casa própria no mesmo concelho, terá direito a permanecer no imóvel durante, pelo menos, cinco anos, sem que os herdeiros legais se possam opor. Mas este prazo poderá ser maior, caso a união de facto tenha uma duração superior. Aí, o membro sobrevivo poderá permanecer por todo o período de tempo correspondente à união e, no final, tem o direito a permanecer na qualidade de arrendatário ou proprietário, já que lhe assiste o direito de preferência quando o imóvel for colocado à venda. Se a casa tiver sido adquirida em co-propriedade, o elemento sobrevivente terá direito imediato à casa.
Já em relação às prestações sociais por morte de um dos membros da união de facto, o elemento sobrevivo fica com o direito de receber pensão de sobrevivência ou subsídio de morte, atribuídos pela Segurança Social, sem que haja necessidade de fazer prova de alimentos ou de promover uma acção judicial que reconheça a existência da união de facto.
A decisão de uma vida a dois sem um compromisso legal nem sempre é uma via simples, como parece, e apesar de ser reconhecido juridicamente não deve ser confundido com o casamento. É verdade que a Lei já equipara em algumas matérias a união de facto ao casamento, no entanto, em união o único dever que existe é o de comunhão de cama e mesa. É por isso que nem tudo são rosas.

Direito à nacionalidade
As licenças de maternidade/paternidade e o direito a tirarem férias conjuntas estão previstas na lei, para os casais que vivam em uniões de facto. Os filhos têm direitos iguais aos de qualquer outro casal, nomeadamente no que diz respeito aos direitos de educação, saúde, segurança e sustento.
A lei da nacionalidade permite que um estrangeiro, a viver em união de facto com um cidadão português há mais de três anos, possa adquirir a nacionalidade portuguesa, desde que a união esteja judicialmente reconhecida, tenha ligação efectiva à comunidade nacional, não tenha praticado crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa, não seja funcionário público ou não tenha prestado serviço militar não obrigatório a um Estado estrangeiro.
Um membro da união de facto não poderá impedir que o outro exerça os direitos legais resultantes dessa união. Obtido o reconhecimento oficial, pode o membro dessa união de facto passar a exercer os direitos junto de instituições ou de terceiros.
A vontade de um dos membros do casal que vive em união de facto é suficiente para avançar para a sua dissolução. E caso pretenda fazer valer algum direito, essa dissolução deverá ser judicial. Mas o fim da união de facto poderá ainda ocorrer por falecimento ou pelo casamento de um dos membros.

Artigo publicado na revista Risco n.º 8 de Primavera de 2018.

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